Arcos Principais: Demolidor: Amor e Guerra (Daredevil: Love and War).
Publicação Original/ Brasil: Marvel Graphic Novel #24 (Marvel, 1986)/ Graphic Novel #2 (Abril, 1988).
Roteiro/ Arte: Frank Miller / Bill Sienkiewicz.
A Marvel publicou uma série de graphic novels em formato magazine durante a década de 80, dezenas delas com o título de Marvel Graphic Novel e outras sem uma relação explícita com a coleção, mas que hoje se entendem também como parte, totalizando 75 edições (1982-1993). A intenção da editora era trazer grandes histórias envolvendo super-heróis ou introduzir novas equipes de maneira triunfal, como Os Novos Mutantes, saindo um pouco do marasmo das edições mensais. Claro que houve falhas, mas também acertos. É dessa coleção que temos X-Men: Deus Ama, o Homem Mata (ou O Conflito de uma Raça), A Morte do Capitão Marvel e A Sensacional Mulher-Hulk, lançados aqui pela Abril. Infelizmente, a editora não publicou toda a série original e há muitos títulos inéditos até hoje.
Demolidor: Amor e Guerra foi publicado pela Marvel no início de 1986 e pela Abril em 1988 (nunca mais relançado) e trouxe a dupla fenomenal Frank Miller (Os 300 de Esparta) e Bill Sienkiewicz (Wolverine: Fúria Interior) nos roteiros e desenhos, respectivamente. A mesma dupla que traria, ainda em 1986, a aclamada minissérie Elektra Assassina. Mas enquanto a ninja assassina teve 8 edições para trabalharem sua (complexa) história, Amor e Guerra é praticamente uma one-shot com quase 70 páginas (média de 3 edições comuns) e um roteiro muito mais simples: Vanessa, a esposa do Rei do Crime, está num estado semelhante ao coma e ninguém consegue tratá-la. Desesperado, ele sequestra a esposa de um renomado médico e o chantageia: ou cura Vanessa ou nunca a verá novamente. O Demolidor surge na história quando a situação foge de controle e exige sua presença para resgatar os inocentes e parar o Rei do Crime.
Nada de glorioso, porém o grande trunfo da graphic novel está na arte de Sienkiewicz, que tem quase o dom do Rei Midas: torna ouro tudo que desenha (e que sou muito fã). Mas Frank Miller ainda tem alguns truques na manga e consegue entregar uma história de amor cujo destaque é o próprio Rei do Crime, que está disposto a fazer de tudo para ver sua amada “viva” novamente. Mesmo com poucos diálogos, percebemos seu desespero, sem interpretar o vilão caricato e sim uma versão mais humanizada. O desfecho final da Vanessa e a reação dele é excelente, muito realista.
Outro personagem muito interessante é Victor, o capanga do Rei do Crime que sequestra a esposa do médico. Ele é psicologicamente instável e gosta de observar o corpo da mulher enquanto ela está desmaiada. Fica conversando consigo mesmo, dizendo que não fará “essas coisas”, lutando com o impulso de querer tocá-la e a lucidez de que não pode. Num momento, Victor está na casa de sua irmã, meio refugiado, e acaba querendo tomar sua “pílulas” para tentar se controlar. Só que o efeito é justamente o oposto e acaba ficando insano. Um ótimo personagem.
O Demolidor, propriamente dito, aparece pouco. No início ele surge nas sombras, como o Batman, ganhando maior destaque na metade pra frente. Ele também ganha uma roupagem mais realista e enfrenta dificuldades para entrar no QG do Rei do Crime, um detalhe interessante e que chama a atenção, pois é um prédio até que simples e seria algo mega fácil para outro super-herói ou autor. Bill Sienkiewicz é conhecido por sua arte multimídia, misturando desenho, pintura, aquarela, fotografia e colagem. Em Amor e Guerra ele é mais contido na diversidade, mas ainda com a loucura característica. Em diversos momentos temos a impressão que o Demolidor é capaz de voar, graças aos super-pulos estilizados.
O Rei do Crime possui uma caracterização artística ótima, que beira o caricato: ele é enorme, seu rosto ocupa todo um quadro, além dos ternos de texturas diversas. Victor tem uma feição quase animalesca, o que combina com seus distúrbios psicológicos. Toda a arte é incrível, como de costume, mas o roteiro de Amor e Guerra não traz o melhor de Frank Miller, mas ainda uma ótima história. As caixas de recordatórios não distinguem os personagens por cores, então em alguns momentos fica difícil deduzir quem está “narrando”. O relacionamento do Rei do Crime e Vanessa chega a ser tocante, deixando o Demolidor como personagem coadjuvante. O final, com exceção do desenrolar da Vanessa, é um pouco abrupto. Você está nas últimas páginas e fica imaginando “já vai acabar?”, mas é uma leitura válida que tira os estereótipos de super-heróis, dando uma humanidade para o Demolidor e mostrando que pode ficar cansado, pode errar, pode se ferir e não conseguir finalizar a missão. Amor e Guerra saiu no brasil pela editora Abril e nunca mais foi relançado.
Confira a sequência dos reviews de Demolidor que fiz aqui no site:
Fase Frank Miller
Demolidor: Amor e Guerra
Fase Mark Waid
Demolidor: As Crianças Púrpuras
Fase Charles Soule
Demolidor: Dez Dedos em Chinatown
Demolidor: Conexão Elektra e o Blefe do Cego
Demolidor: Arte das Trevas
Demolidor: O Sétimo Selo e Púrpura
Demolidor: Supremo
Demolidor: Terra de Cego
Demolidor: Prefeito Fisk
Demolidor: Prefeito Murdock
Demolidor: A Morte do Demolidor
Ou acesse o Índice de Reviews para conferir outras séries!
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.