Arcos Principais: Edição especial.
Publicação Original/ Brasil: Alan Moore: O Mago Supremo (2015, Independente).
Roteiro/ Arte: Caio Oliveira.
Caio Oliveira é um quadrinista brasileiro independente que gosta de trabalhar com várias referências ao universo da cultura pop, em especial os super-heróis, em sátiras e paródias hilárias. Já trabalhou em revistas como a Mad e em séries internacionais, como a também independente No More Heroes. Em 2016 ele publicou dois quadrinhos: Alan Moore: O Mago Supremo e All-Hipster Marvel; ambas tirando um sarro dos principais autores das HQs e, principalmente, da Marvel. Ao mesmo tempo em que ele coloca essas personagens e pessoas em situações cômicas e absurdas, ele demonstra o quanto gosta e conhece desse micro-universo. Review especial da Alan Moore: O Mago Supremo, sem muitos spoilers!
ALAN MOORE: O MAGO SUPREMO
Alan Moore é considerado um dos melhores autores das HQs, sendo o criador de alguns dos maiores clássicos da nona arte, como V de Vingança, A Saga do Monstro do Pântano, Watchmen, Batman – A Piada Mortal, além de ter transformado a mitologia de personagens como o Miracleman e Tom Strong. Claro que também teve seus momentos menos felizes, como a mini Spawn: Feudo de Sangue, apesar de ter criado uma das melhores edições na série do Spawn. Mas isso não tira seu mérito, sendo sua qualidade como escritor inquestionável. Entretanto, a figura pública dele é bastante polêmica. Tanto o visual, sendo um velho barbudo considerado Mago; desde suas declarações, amaldiçoando as adaptações cinematográficas de suas obras e as continuações. Sem contar os fãs, que se matam pra defender seu autor preferido. Só comparar o Alan Moore com o Grant Morrison que a briga tá armada. E é em cima de tudo isso que o Caio Oliveira cria essa paródia.
Na história, Alan Moore é um velho mago vestido de Dr. Estranho, tendo o Grant Morrison como empregado revoltado. Ele dará uma festa, recebendo outros autores como convidados. Assim surgem mesclas como o Bendis Richards, uma versão do Brian Michael Bendis com o Reed Richards, o Sr. Fantástico, que tem diálogos que vai do nada pro lugar nenhum. É legal identificar essas personagens, descobrir quem é quem, mas o destaque fica por conta do subtexto, das referências e ironias em cada diálogo e desenho. Neil Gaiman, por exemplo, surge como uma entidade pesadelo, dizendo “flores, gatos, Shakespeare”. Clara alusão ao Sandman, sua obra clássica, e ao estilo narrativo do autor, que adora citações do dramaturgo (como na história Sonho de Uma Noite de Verão) e gatos, que surgem em várias de suas HQs: Criaturas da Noite e Coraline, só pra citar duas. O Rob Liefeld protagoniza uma das melhores sequências, quando surge como o Deus da Mentira Loki, onde Caio aproveita pra representá-lo como o icônico e mega-exagerado estilo Liefeld de ser: ombreiras, mil dentes na boca, armamento pesado, pochete da Avon e tudo o mais. É extremamente hilário.
Fica bem visível quanto o autor conhece desse universo, colocando em cada página diversas referências. Algumas mais óbvias, outras nem tanto. Felizmente, tem uma lista ao final da edição, que é bem curtinha (30 páginas), comentando algumas delas. O tom de ironia é forte, sempre colocando Alan Moore como o Mago Supremo das HQs, o melhor autor de todos, onde os outros escritores reviram seu lixo atrás de boas ideias (pesado!), com o Grant Morrison fazendo até um pacto com o Diabo de Hollywood, que estava fechando contrato pra uma nova adaptação do Moore, para que se livre da sombra de seu mestre. Há uma piada muito boa envolvendo o Frank Quitely, que é um dos melhores parceiros do Morrison (como em WE3 e Novos X-Men). A história termina com aquele que, de fato, seria o grande concorrente do Alan Moore. Quem será? Apesar da preferência óbvia do autor pelo Mago Supremo, admito que pessoalmente eu tendo mais pro lado do Grant Morrison nesses debates todos, criador da minha história preferida: Mate Seu Namorado. A figura do Alan Moore (a real, não a da HQ) é muito chata. A cada ano ele se torna um velho mais ranzinza. E o interessante é que o Caio Oliveira sabe disso e também utiliza desse ponto pra tirar sarro da situação. Seus desenhos seguem uma pegada cartunesca, lembrando bastante as charges, focando nos diálogos e situações cômicas, com as cores de Danielle Dantas. Não há grandes cenários ou algo assim, sendo a maioria dos quadros sem fundo desenhado.
Um detalhe que percebi é a ausência de autoras na história, já que era raridade ter alguma nos anos 1980 e 1990. Isso mostra como o mercado de HQs mudou, com as mulheres ganhando maior destaque hoje. Apesar de toda a briga de autores, senti falta do Peter Milligan. Ele, pra mim, é o melhor no meio dessa galera britânica. Shade, o Homem Mutável, Rogan Gosh, O Extremista, Enigma e outros títulos são clássico subestimados. Ao fim de Alan Morre: O Mago Supremo, temos algumas “tirinhas” com As Novas Aventuras do Velho Moore, com histórias de uma página. Numa delas o Morrison aparece só de cueca, mostrando sua cicatriz na barriga. Lembram quando ele soltou quase uma nude? Uma HQ curta e extremamente engraçada. Mas para aqueles que vão pegar as referências, se não ficará boiando.
A HQ está disponível na Social Comics.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.