Arcos Principais: One-shot.
Publicação Original/ Brasil: Batman & Poison Ivy – Cast Shadows (DC, 2004)/ Inédito.
Roteiro/ Arte: Ann Nocenti/ John Van Fleet.
Hera Venenosa é uma das vilãs do primeiro escalão do Batman e a considero uma das mulheres mais importantes das HQs, pela temática de suas histórias, sua extensão de poder e sua própria biologia (tá, também é uma das minhas personagens prediletas). Mas infelizmente ela tem poucas histórias especiais e, mesmo depois de ser a principal vilã no filme Batman & Robin de 1997, ela só vem ganhando mais espaço nos últimos anos. Foi protagonista na série Sereias de Gotham, ganhou a mini Ciclo de Vida e Morte e recentemente já apareceu nos títulos da Batgirl e da Trindade na atual fase Rebirth da DC, esses últimos ainda inéditos por aqui. Mas poucos conhecem uma Graphic Novel especial protagonizada por ela e pelo Batman, publicada em 2004 pela DC: a ótima Cast Shadows. Escrita pela Ann Nocenti (Demolidor, Longshot) e com a arte incrível de John Van Fleet (Ao Cair das Sombras), trata-se de uma história feita nos moldes antigos, muito inspirada em Um Conto de Batman: Estufa, mas com uma temática sempre atual: o avanço da urbanização e seu impacto na sociedade. Review sem spoilers desta HQ especial!
BATMAN & HERA VENENOSA: NAS SOMBRAS
Na história, Hera Venenosa está presa no Arkham e passa por um processo diferenciado de terapia e reabilitação. O novo médico, Dr. Wood, está implantando um sistema de “hobby” no lugar, dando coisas para os pacientes se ocuparem e distraírem. Além de muito remédio, pra mantê-los calmo. Enquanto alguns tricotam, Hera pode trabalhar em suas plantas e híbridos, desenvolvendo um projeto que poderá mudar o mundo: iluminação a partir de plantas, energia renovável e orgânica. Ela está, aparentemente, “curada”. Como parte da terapia, ela vive meio sedada, tento alguns embates com o Doutor, e é proibido chamá-la de “Hera Venenosa”, como método de deixar isso no passado. Tudo parece bem até que um magnata, Trimbel, começa a construir uma enorme Torre em Gotham, projetando uma sombra enorme sobre a cidade, inclusive o Arkham, bloqueando o sol que Hera recebe em sua cela. Deixando-a furiosa, já que ela necessita disso para viver.
Essa é a história principal, que vai desdobrando em vários pontos. Em paralelo, pessoas envolvidas à construção começam a morrer envenenadas por uma nova toxina. Mas Hera está presa. Então quem pode ser o responsável? O Batman surge pra resolver o mistério e pede ajuda da própria Hera, ficando com um pé atrás, claro. Toda a narrativa tem um tom nostálgico, com um Batman mais caricato e situações menos realistas, em prol de um clima interessante e quase etéreo. Uma marca do roteiro de Ann Nocenti. Ninguém passa pelo Asilo Arkham intacto e essa é uma das propostas da autora, levando até mesmo Bruce à insanidade. A caracterização de Hera está um pouco diferente do que veríamos em Sereias de Gotham (mais séria) ou em Ciclo de Vida e Morte (mais responsável): com um sorriso no rosto, em Cast Shadows ela é até simpática, mais humana, com direito a batom verde e óculos de gatinha. Super agradável. Claro, há seus momentos de fúria, mas nada comparado ao que estamos acostumados. Outro ponto que lembra o arco “Estufa” das Lendas do Cavaleiro das Trevas.
Apesar da história ser boa, o grande destaque fica para a arte de Van Fleet. O tema principal da HQ é “luz“, o quanto ela é importante e presente em nossa vida, e Fleet deixa isso claro em todas as páginas. É como se Gotham estivesse num eterno entardecer! A paleta de cores utilizada é incrível. Tudo é muito bonito e diferente: além dos desenhos mais tradicionais, ele utiliza de fotografias e fotomontagens, além de efeitos de iluminação digitais. Um artista multimídia. Em alguns momentos temos Hera desenhada, em outros é como se víssemos uma modelo sendo fotografada. O trabalho com textura também é ótimo, com objetos que fica difícil saber se foram feitos digitalmente ou fotografados.
Outro ponto interessante é a relação de Hera com o Batman, de sua visão sobre os super-heróis. Ela não é uma vilã unilateral, enlouquecida que só quer morte. Quase todas as suas ações sempre são relacionadas a um bem maior (nesse caso, a luz), mas cujos meios são questionáveis. Isso faz a diferença e mostra seu lado “humano“, principalmente numa cena em que ela escolhe salvar alguns, mas tem certeza de quem merece morrer, por estragar sua luz. Um outro momento legal, chegando a ser cômico, é quando o próprio Batman entra em contato com a toxina e passa a agir exagerado e insanamente, quase mandando o Comissário Gordon pra PQP e xingando Alfred, dizendo que sempre tem que fazer tudo na cidade. Um detalhe muito bom, e que quase nunca é tratado, é como a Hera se sente sobre nunca poder namorar de verdade, já que seu beijo mata. Claro que ela não gosta de humanos e fica difícil saber se está falando a verdade ou não, mas é um tópico bom.
Talvez uma das baixas em Cast Shadows seja os diálogos. Apesar das cenas mais caricatas serem legais, a conversa entre as personagens soa um pouco artificial em alguns momentos, como aquele estilo mais antigo, onde o herói “pensa alto“, falando coisas óbvias. Tudo parece um dramalhão mexicano. Mas não prejudica tanto, já que outras cenas são bem inspiradas. O final garante uma reviravolta e uma Hera super calma, como foi no decorrer da leitura. Nocenti provavelmente não quis trabalhar com a sua agressividade, optando por coisas mais tênues e bonitas, como beijos que envenenam mas também curam. Apesar do título ser “Batman & Hera Venenosa“, não vá no intuito de ver um grande combate entre os dois. Ela é a protagonista e apesar das vinhas, flores venenosas, beijos da morte e fugas, a HQ trata-se de um espetáculo visual, uma narrativa sobre privação, certo e errado, questões morais etc.
Com o olhar certo, Cast Shadows é uma leitura excelente. Para os fãs da Hera, é obrigatória! Com o olhar errado, pode ser massante. De toda forma, ela erradia uma iluminação própria, graças à arte de Van Fleet, colocando Hera num patamar que poucos personagens chegam: de protagonistas de Graphic Novel com arte especial, mesmo que seja desconhecida. Infelizmente o título não foi publicado no Brasil e não tenho esperança que vá, por ser um pouco antigo e, se a Panini optar por lançar algo dela, provavelmente será material mais novo (como Ciclo de Vida e Morte), mas há uma versão traduzida por fãs como Batman & Hera Venenosa – Nas Sombras na internet!
Confira outros reviews de Hera Venenosa que fiz aqui no site:
Especiais e one-shots:
Um Conto de Batman: Estufa (1994; 2 edições)
Batman: Hera Venenosa (1997)
Arlequina e Hera Venenosa: Paixões Violentas (2001)
Batman & Hera Venenosa: Nas Sombras (2004)
Minisséries:
Hera Venenosa: Ciclo de Vida e Morte (2016; 6 edições)
Sereias de Gotham (2009 – 2011; #01-26):
Sereias de Gotham Vol. 1: União Feminina (#1-7)
Sereias de Gotham Vol. 2: Contra o Dr. Esopo e Irmã Zero (#8-13)
Sereias de Gotham Vol. 3: Fruto Estranho (#14-19)
Sereias de Gotham Vol. 4: Divididas (#20-26)
Participação importante em arcos:
Batman: Todos Amam Hera (2018; Batman #41-43)
Trindade: Melhor Juntos (2016; Trinity #1-6)
Ou acesse o Índice de Reviews para conferir outros títulos!
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.