Arcos Principais: Longshot.
Publicação Original/ Brasil: Longshot #1-6 (Marvel, 1985)/ Longshot (Abril, 1991) e em Superaventuras Marvel #77-78 e #80-83 (Abril, 1989).
Roteiro/ Arte: Ann Nocenti/ Arthur Adams.
Esta é minha 400ª resenha de quadrinho! Todas as outras 399 você pode conferir no Índice de Reviews do site. Pra comemorar a marca, resolvi ir atrás de alguma mini ou especial dos X-Men (minha equipe preferida) pouco conhecida, fugir dos medalhões que ainda não resenhei aqui (como Massacre de Mutantes ou Fênix Negra) e a tarefa não foi tão fácil. O Universo X possui vários personagens interessante pouco utilizados ou que já protagonizaram graphic novels, como a Cristal, Shatterstar, Dinamite, Estrela Polar… Mas voltei minha atenção pra um núcleo que gosto muito: o Mojoverso. Adoro o Mojo, Espiral e os X-Babies, então nada melhor que o 400º review do site seja de um dos personagens mais flopados dos X-Men: Longshot. Em 6 edições, essa minissérie de 1985 marcou a estreia tanto de Longshot, quanto do Mojo e da Espiral; a primeira vez que os conhecemos. Review especial sem (muitos) spoilers!
Os anos 1980 foram muito férteis para os mutantes: tivemos histórias como a Saga da Fênix Negra logo no início, Dias de um Futuro Esquecido, a descoberta dos Morlocks, Deus Ama, o Homem Mata e Massacre dos Mutantes, além do surgimento de diversas séries paralelas como Novos Mutantes, Tropa Alfa, Excalibur e Wolverine. Uma década e tanto! E dentre os personagens criados, tivemos um que é a cara dos 80s: Longshot; o herói de jaqueta de couro e mullets. Ele surgiu já em minissérie própria em 1985, escrita pela Ann Nocenti (que ficou 5 anos na revista do Demolidor em seguida, entre 1986-1991, e que possui um nome hilário) e desenhada por Arthur Adams (que passou a ser capista de diversas séries da Marvel, além de desenhar o interior de algumas), sendo o primeiro grande trabalho da dupla. Tanto Nocenti quanto Adams não tinham muita experiência com quadrinhos de heróis, rendendo uma minissérie super exagerada, engraçada e nonsense, brincando com questões como a metafísica, espectro de cores e dimensões paralelas.
Na história, um homem está fugindo de alguns soldados de sua dimensão, entrando num portal e caindo na Terra, desmemoriado. A partir daí, ele recebe o apelido de Longshot (algo como tirar a sorte grande) e passa a caminhar pelos EUA pra tentar se conhecer ao mesmo tempo que precisa fugir dos soldados dimensionais de armadura que aparecem na sua cola. Longshot, além de toda a indumentária, possui uma espécie de marca em forma de estrela num olho, quatro dedos em cada mão, um olhar estranho, consegue atrair o desejo das mulheres e tem “muita sorte”, sem contar que seus ossos são ocos. Uma figura e tanto! Durante a primeira metade da mini, Longshot ainda está se adaptando à nova realidade e entra nas situações mais absurdas, como se unir a um americano viciado em teorias da conspiração/ fim do mundo para salvar um bebê sequestrado pelos Soldados que querem sacrificá-lo para poderem voltar à sua própria dimensão. Numa outra situação, Longshot invade por acidente um set de filmagens e vira dublê de um dos protagonistas, enfrentando situações perigosas e conhecendo sua futura parceira: Rita Ricochete. Sem contar que há um ser meio cachorro/ meio monstro vermelho que o persegue e não sabemos até onde é amigo ou inimigo, ficando maior e mais insano a cada momento que aparece. E é nesse tom de extremo exagero que a mini continua.
A ideia de Ann Nocenti não é trabalhar o lado “super-herói” do personagem, que ela nem mesmo sabia fazer na época, mas tratar de temas pouco comuns que mais tarde virariam sua assinatura, como as questões sociais. Longshot foi um escravo no Mojoverso, sua realidade natal, criado artificialmente por Arize para servir aos mandos do Mojo. Porém Arize o fez com algumas características especiais, deixando-o mais esperto que os demais, incitando rebelião entre os escravizados e fugindo em seguida. O Mojo é um tirano “sem-espinha“, espécie de seres que não possuem coluna dorsal (vivendo em cima de máquinas) que cria diversos espetáculos para seu povo. Seu braço direito é a Espiral, mulher de 6 braços que pode abrir portais e convocar magias quando dança, além de ser uma espadachim. Há toda uma crítica social e à mídia por detrás do Mojoverso, mas que ainda não fica evidente nessa mini. Só mais tarde que conheceríamos melhor o lugar, que os sem-espinha vivem 24h por dia vendo produções como os X-Babies ou protagonizadas por escravos como o Morfo, e que a Espiral possui uma Loja de Corpos, criando a Lady Letal, por exemplo. Assim como só vamos descobrir depois que Espiral é a versão futura da própria Rita Ricochete. Tudo que foi trabalho a partir desse mini do Longshot.
Os personagens e alguns diálogos são hilários. Numa cena logo no início, Longshot tenta conversar com uma manequim de uma loja; em outra, um cara arrebenta a cara no chão e comenta sobre os dentes perdidos. O próprio relacionamento entre Espiral e Mojo rendem bons momentos, já que ela é toda debochada e o trata mal mas sabe que precisa trabalhar pra ele, que tem amnésia e complexo de grandeza. Os monstros parecem ter vindo diretamente de Cadillacs e Dinossauros, com armaduras pesadas. Há também a participação especial do Homem-Aranha, Mulher-Hulk e do Doutor Estranho, colocando a história bem dentro do Universo Marvel mas que poderiam facilmente serem retirados.
Acho que já deu pra perceber o clima de exagero e nonsense de Longshot – Estrela da Sorte. A mini foi publicada originalmente em 6 edições e saiu no Brasil nas páginas da revista Superaventuras Marvel, ganhando uma versão “encadernada” pela Abril depois. Assim como boa parte das séries mais antigas, ela não envelheceu tão bem. O esquema do roteiro ficou bastante datado, com muuuitos balões de pensamento (que praticamente não existem mais) explicando o que tá acontecendo. A arte de Art Adams é boa e bem ágil, com algumas sacadas interessantes, como a transição de uma cena para um fashback. As cores acabaram um pouco prejudicadas pelo sistema de impressão, que as vezes deixa desalinhada ou muito escura, ficando difícil de entender alguns momentos. Nada que uma versão “remasterizada” não corrija. Adams se destaca nos closes, quando podemos ver com mais detalhes os rostos de Longshot ou do Mojo, com as linhas mais definidas.
É uma mini divertida que é a cara dos 80’s, pro bem e pro mal, com um protagonista ingênuo que usa mullets, muito exagero, raios lasers, jaquetas, armaduras pesadas e monstros. Vale por conhecer a estreia de Mojo, Espiral e do próprio Longshot, além de poder discutir temas como liberdade, identidade, escravidão e mídia. Mas que se perde um pouco no caminho, principalmente pela presença (possivelmente uma exigência da Marvel) de outros heróis que não combinaram muito, não sendo uma leitura pra todos, principalmente para aqueles que não curtem um tom mais de nonsense e momentos completamente “WTF?” (como uma garotinha se sentindo atraída por ele). Longshot previu, de certa forma, tudo aquilo que faria sucesso na década de 1990, inclusive ganhando uma “versão feminina” (a Dominó tem poderes semelhantes). O personagem nunca foi pro mainstream, sempre flopando e sendo associado à essa versão caricata, que mais parece uma Alice no País da História Sem Fim nos anos 3000.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.