Arcos Principais: A Guerra de Piadas e Charadas (The War of Jokes and Riddles).
Publicação Original/ Brasil: Batman #25-32 (DC, 2017)/ Inédito.
Roteiro/ Arte: Tom King/ Mikel Janin e Clay Mann.
Na edição anterior, fomos surpreendidos com o Bruce Wayne pedindo a mão da Selina Kyle em casamento. O Batman se abrindo pra vilã Mulher-Gato, finalmente oficializando esse romance. Agora, nesse arco intitulado A Guerra de Piadas e Charadas, temos o Batman contando um segredo pra sua futura esposa, algo que aconteceu após seu primeiro ano como o Cavaleiro das Trevas, algo lá do passado, que pode mudar a imagem que a Gata tem dele. Assim, Tom King escreveu uma história onde o Charada e o Coringa entraram em guerra um contra o outro, angariando vilões para a causa e destruindo toda Gotham no processo. Apesar de ser uma espécie de flashback, como um retcon, são oito edições (#25-32) que no fundo não mudam muita coisa. Review especial com poucos spoilers.
A GUERRA DE PIADAS E CHARADAS
Tudo começa com o Charada saindo do Arkham numa sequência muito boa, explorando o lado calculista e inteligente do vilão. Enquanto isso, o Coringa vem ouvindo piadista atrás de piadista num teatro, querendo dar uma risada sequer. E matando quem não o faz. Ele vem passando por uma fase, literalmente, sem graça: não conseguindo rir com nada. Fora da prisão, o Charada se encontra com o Coringa e oferece um trato, que os dois se unam pra acabar com o Batman, já que separados não conseguirão. Claro que não dá certo, com Nigma levando uma apunhalada e prometendo acabar com a raça do Coringa que, por sua vez, começa a ameaçar e reunir outros vilões pro seu lado, como o Pinguim, pra ajudarem a encontrar e acabar com o Charada primeiro, dando início à uma guerra super sangrenta, destruindo tudo em Gotham e matando dezenas de pessoas no processo.
A briga até faz um tanto de sentido, mas muito é fanservice. Quando falamos de Batman, é impossível não comentar dos vilões, que estão entre os mais icônicos de todos os tempos. E nesse Rebirth, a DC vem dando atenção a eles, como o Duas-Caras protagonizando o primeiro arco de Grandes Astros, a reviravolta com o Cara de Barro em Detective Comics e o Bane, na própria revista do Batman. Chegou a vez, então, do Coringa e do Charada, outros dois grandes vilões. Um ponto que me incomodou nesse arco é o fato de ser bem grande (oito edições!) e não se aprofundando na personalidade deles dois. O Charada continua cheio de enigmas como de costume, mas com a camiseta aberta, mostrando uma cicatriz em formato de interrogação no peito, além de mais musculoso. E o Coringa, mais próximo daquele da Piada Mortal, com seu típico terno roxo, cara fechada e mais insano que nunca, sendo o personagem que mais mata no arco, provando ser o louco que é. Mas, no fundo, não tem nada de muita novidade. O Charada, porém, ficou um tanto estranho. Isso ocorre com os outros vilões que se juntam à guerra. O Duas-Caras, Crocodilo e Hera Venenosa estão entre os que ficaram do lado do Charada, enquanto Sr. Frio, Pinguim e Ventríloquo ficaram do lado do Coringa. Com exceção de uma cena onde o Ventríloquo surta ao perder seu boneco, nenhum deles é bem explorado. Chega a ser constrangedor ver a Hera como guarda-costa no desenrolar.
Uma surpresa é a presença do Homem-Pipa, um vilão de quinto escalão que ganha uma origem muito interessante. Ao perder seu filho pro Charada, se transforma num herói-vilão que utiliza de uma espécie de asa delta, uma grande pipa, pra voar por aí e virar piada na boca da galera, um flopado. Mas acaba se juntando ao Batman nessa guerra. A história se desenvolve no passado, com o Coringa e Charada criando planos, e o presente, com o Batman de cueca narrando tudo pra Selina. Tudo desenhado pelo Mikel Janin (do arco Eu Sou Suicida), enquanto algumas edições focadas no Homem-Pipa são desenhadas pelo Clay Mann (Hera Venenosa: Ciclo de Vida e Morte), ambos desenhistas sempre bem competentes. Em relação ao fanservice, há uma briga em entre o Pistoleiro e o Exterminador, que dura cinco dias, os dois maiores mercenários da cidade se digladiando e assassinando dezenas de pessoas no processo, se tornando um pesadelo na vida do Batman que, em início de carreira, não sabe lidar com a frustração.
Apesar de sentir que o arco não caminhou muito em se tratando da mitologia dos dois vilões, estamos falando de Tom King, que foi o autor da renomada série do Visão, que nos mostra algumas cartas na manga. Todo o ritmo da história lembra alguns clássicos das HQs, como a pegada violenta e elegante da Piada Mortal e as sequências de reportagens televisivas, comum em séries dos anos 1980 como V de Vingança. Também é interessante pensar em como esse “Ano Zero” se encaixa no Rebirth e no pós-Novos 52. Enquanto a Mulher-Gato surge com seu clássico visual roxo, a Hera Venenosa usa seu uniforme (que achei horrível) dos N52. A edição #29, em particular, é bem interessante e ilustra esse lado do autor, em criar tramas com formatos distintos. Nela, o Bruce Wayne convida o Charada e o Coringa para um jantar fino. A cada entrada de um prato, temos uma situação diferente, ficando esteticamente bem legal, com cada um dos dois mostrando o seu lado da história, suas intenções, quem merece vencer. Mas termina caindo naquele velho problema das HQs de super-heróis: será que matar eles, ali mesmo, não seria mais proveitoso? Sim, tem toda a questão moral de ser um herói, de não matar, algo que rodeia o Batman desde sempre, mas olha o caos que estavam fazendo!
Por ser um flashback, não podemos esperar grandes mudanças, como a morte de algum deles, e talvez A Guerra de Piadas e Charadas peca exatamente nisso: não dá um passo à frente. Okay que o Coringa assassina e mutila um monte de gente, chega a ser chocante o nível da crueldade do vilão, mas é o que esperamos de alguém do patamar dele. O clímax do arco estaria no encontro derradeiro deles com o Batman, mas acaba caindo no velho problema que acabei de comentar ali em cima. Relembrando A Piada Mortal mais uma vez, que termina de maneira semelhante. Só que enquanto o Alan Moore teve uma liberdade maior pra criar algo mais livre, digamos assim, aqui o Tom King se prende à cronologia e pisa na jaca, mas logo volta pra pedir desculpa. Tudo acaba se transformando em outra história que aproxima o Batman aos vilões, questionando os limites morais entre os heróis e os vilões. Possui seus bons momentos, como o jantar e a ascensão do Homem-Pipa, do fanservice e das cenas de ação, começando de maneira muito boa e com uma ótima arte, mas foram muitas edições onde algo mais profundo poderia acontecer e não aconteceu. Ainda mais depois daquela edição fantástica com o Monstro do Pântano.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.