Arcos Principais: Os Laços Que Unem (The Ties That Bind).
Publicação Original: Black Widow #1-5 (Marvel, 2020).
Roteiro/ Arte: Kelly Thompson/ Elena Casagrande.
A última série que li da Viúva Negra foi o volume 6, publicado entre 2016 e 2017, que retomava alguns pontos do passado da Natasha na Sala Vermelha, que durou 12 edições. E de lá pra cá muita coisa aconteceu: ela chegou a morrer ainda em 2017 durante a saga do Império Secreto, mas ficou pouco tempo enterrada; um clone da Natasha com todas as suas memórias ressurgiu da Sala Vermelha, sendo aceita pelos demais heróis. Ou seja: ela morreu, mas não morreu. E no final de 2020 ganhou uma nova série própria, dessa vez com uma equipe criativa totalmente feminina e encabeçada pela Kelly Thompson, preparando terreno para o filme do MCU. Ao melhor estilo de O Show de Truman, a Viúva vive uma vida de mentiras nesse primeiro arco. Confira o review com poucos spoilers!
OS LAÇOS QUE UNEM
Natasha Romanov, a Viúva Negra, está trabalhando para o Capitão América e temos muita ação logo na primeira edição do arco, com ela ela invadindo um prédio e derrubando alguns caras em nome dos Vingadores. O que chega a ser engraçado, já que foi o próprio Capitão que a matou, quando estava sob influência da Hydra. Após a missão, ela retorna para seu apartamento e percebe que alguém o invadiu. Mesmo tentando entrar pela janela, ela acaba sendo misteriosamente atingida por quem estava lá dentro. E três meses depois, é vista tendo uma nova vida: é uma arquiteta de sucesso, casada com um marido exemplar, com um filho pequeno e tudo que poderia imaginar; enfim feliz e em paz! É um início bastante empolgante por vários motivos, mas principalmente pelas cenas de ação e por reforçar o lado espião dela, como a sequência do apartamento em que demonstra bem essas habilidades.
A trama gira em torno dos motivos por detrás dessa nova vida da Viúva. Por ironia do destino, o Gavião Arqueiro a vê de relance numa reportagem da TV, passando ao fundo da câmera, depois de meses desaparecida. Ele passa a informação ao Soldado Invernal e ambos começam a investigar o caso, tentando entender o que aconteceu: seria lavagem cerebral ou ela estaria fingindo para concluir alguma missão? E ambas as hipóteses poderiam estar certas, a única coisa que sabemos, nesse início, é que o Arcade está por trás de tudo isso, o vilão conhecido por criar seus jogos e reality shows. No passado, ele foi o responsável por colocar vários jovens heróis numa arena para se matarem a lá Jogos Vorazes na excelente Vingadores – Arena. Então essa nova realidade pode ser muito bem moldada por ele, assim como a Viúva pode estar ciente da situação, mas está seguindo com o jogo. Tudo é possível.
Kelly Thompson é a roteirista da série e possui um histórico de ótimos trabalhos em revistas protagonizadas por mulheres. Só na Marvel, por exemplo, ela vem escrevendo a série da Capitã Marvel, já passou pela Gaviã Arqueira (2016), da Vampira & Gambit (2018), Sr. e Sra. X (2018) e da Força-V (2016). Apesar do plot principal não ser muito original, já que situações do tipo não são raras de se acontecer aos heróis, seja de maneira mais palpável, mental ou o lance da amnésia. A Elektra certa vez acreditou que tinha uma filha graças à influência do Homem-Púrpura em Demolidor: Conexão Elektra ou a própria vida pacata da Jean dentro do casulo da Fênix em A Ressurreição da Fênix. Estruturas diferentes, mas que abordam esse lado dos heróis de não poderem ter uma vida “normal”, com o passado sempre batendo à porta.
Nesse caso da Viúva Negra, mesmo ela sendo controlada pelo Arcade e longe de tudo que remete ao seu passado como assassina ou espiã, seu inconsciente e instintos falam mais alto. Numa determinada cena, ela salva uma mulher de um grupo de bandidos, quebrando a cara de todos. E mesmo sem entender o que aconteceu, situações do tipo continuam, como ela construindo uma bomba caseira mesmo sem perceber. Para complicar ainda mais o mistério em torno dessa nova vida, vemos que o Arcade não está sozinho! Mas sim trabalhando com outras quatro figuras. E quando não podia ficar mais complicado, é descoberto que o filho da Viúva, que até então poderia ser qualquer criança colocada nesse cenário, de fato é filho dela com o marido! Compartilhando o DNA dos dois.
Os desenhos são da Elena Casagrande (Arquivo X: Hospedeiros) com as cores da Jordie Bellaire (Cavaleiro da Lua: Bem-Vindo ao Novo Egito), dupla que faz um excelente trabalho e segue a tradição de uma arte bastante estilizada de séries como a do Demolidor, Elektra e da própria Viúva, que quase sempre possuem um visual arrojado. Aqui, além do uso de cores e contrastes fortes como o vermelho e o preto, há uma estrutura bem legal nas cenas de ação em página dupla, aplicando uma espécie de “foco” onde o pau tá quebrando. É um dos pontos altos do arco, com tudo muito fluido, definido e explosivo, como uma cena em que o Gavião Arqueiro lança uma flecha que atravessa um rifle e cega um dos vilões.
“Os Laços Que Unem” é uma história divertida e fácil de ler, entregando uma outra faceta da Natasha (talvez para se assimilar mais à versão do filme). Ela continua sendo uma exímia lutadora, assassina e espiã, mas podemos ver seu lado mais sentimental e até mesmo maternal, algo praticamente inexistente até agora. Isso acaba dando maior profundidade à personagem, que não fica somente na pancadaria (que também já estaria ótimo, devido à arte), mas abordando outros pontos como relacionamento, afetividade, perdão e vingança. O ponto fraco da trama está em justamente não dar um passo à frente em tudo isso, se controlando muito e evitando algumas soluções polêmicas (mas que o leitor certamente iria curtir, principalmente pelo impacto) como a morte de alguns personagens. A forma como a Viúva foi capturada na edição #1 também chega a ser cômica. Quer dizer, todo um lance de espionagem pra descobrir como invadiram o apê dela, pra do nada ela ser derrubada? Ficou meio estranho, mas ainda uma ótima leitura.
Vale comentar que ela foi indicada ao Eisner Awards 2021, considerado o Oscar dos quadrinhos, na categoria de Melhor Nova Série.
Confira outros reviews de Viúva Negra que fiz aqui no site:
Volume 6 (2016 – 2017): Fase Mark Waid (#01-12)
Viúva Negra: A Mais Procurada Pela SHIELD (#1-6)
Viúva Negra: Sem Mais Segredos (#7-12)
Volume 8 (2020 – 2021): Fase Kelly Thompson (sendo publicado)
Viúva Negra: Os Laços Que Unem (#1-5)
Ou acesse o Índice de Reviews para conferir outros títulos!
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.