Arcos Principais: Prelúdio Para o Cisma (Prelude to Schism) e Cisma (Schism).
Publicação Original/ Brasil: Prelude to Schism #1-4 e Schism #1-5 (Marvel, 2011)/ X-Men #129-132 (Panini, 2012).
Roteiro/ Arte: Paul Jenkins e Jason Aaron/ Vários.
Os X-Men representam as minorias e o combate ao preconceito, esse é o principal ponto de suas histórias, desde o princípio. Até o final da década de 1990 os conflitos eram mais “contidos”, digamos assim. A mutandade era uma raça em ascensão, com Charles Xavier de um lado e Magneto do outro. Tínhamos os Sentinelas, máquinas criadas para procurar e matar mutantes. Tínhamos o vírus Legado, que de início afetava apenas os mutantes, uma metáfora do HIV. Mas foi nos anos 2000 que as coisas tomaram outras proporções: ser mutante se tornou pop, o número foi para a casa dos milhões e criou-se a nação mutante Genosha. Mas o que parecia um alívio para os X-Men, se transformou num pesadelo: Genosha foi estraçalhada por Sentinelas, milhões morreram; a Feiticeira Escarlate aniquilou quase que 100% do gene X no mundo; os mutantes entraram em Extinção; não houve nascimentos mutantes até o Complexo de Messias; Ciclope levou quase todos os mutantes vivos, menos de 200 pessoas, para a nova Ilha Nação Utopia. Chegamos no evento Cisma (ou Cisão), que coloca Ciclope e Wolverine um contra o outro, enquanto um nova arma ameaça destruir toda a Ilha e acabar de uma vez por todas com os mutantes. Fugir ou ficar e lutar? Essa é a grande questão. Review com spoilers desse evento, que começou grande e acabou com algumas brechas. Como quase todo material mutante dessa época.
PRELÚDIO PARA O CISMA
Para preparar o terreno, a Marvel publicou uma mini em 4 partes chamada Prelúdio Para o Cisma, apresentando seus quatro personagens principais e retomando suas origens: Charles Xavier, Magneto, Ciclope e Wolverine. Todas escritas pelo Paul Jenkins, que já tinha experiência no assunto, tendo feito as séries Mitos Marvel (recontando as origens do Hulk, Homem-Aranha e cia.) em 2007 e Wolverine: Origem em 2001. A mini ocorre num mesmo momento, com Ciclope olhando para o horizonte e tendo que tomar uma decisão: evacuar Utopia ou ficar e lutar com a ameaça que está por vir. O desenvolvimento é muito interessante, cada edição mostra um lado da história, a partir do ponto de vista de algum dos quatro protagonistas. A “ameaça” nunca é dita, ficando nas entrelinhas se é um vilão, uma tempestade, uma bomba, qualquer coisa. Só sabemos que é grande e poderosa o suficiente para aniquilar a Ilha.
Tem vários pontos interessantes nessa mini. O passado dos personagens, mostrado em flashbacks, é um deles. Apesar de não trazer muitas novidades, já que são releituras (com direito a caixas de texto coloridas pra explicar a origem do Wolverine, igual em Arma X), o melhor fica por conta dos paralelos criados. Apesar do ódio contra os mutantes ter tomado essas proporções nos últimos anos, pela primeira vez os vemos juntos, lutando juntos, com Charles e Magneto dando as mãos, literalmente. Mas fica aqui a minha crítica ao próprio Magneto, no que o transformaram. Okay ele ficar do lado dos mocinhos, de aceitar que Ciclope conseguiu o que ele sempre quis (unir a mutandade), mas ele é tratado como um fracassado. Coisa que ele não é. Já Ciclope percebe que sempre perdeu tudo em sua vida: seus pais, sua infância, sua paixão… tudo. Se transformando nesse líder frio e calculista. Todos os pontos de vista culminam na decisão dele em ficar e lutar. E com todos concordando, inclusive Wolverine! Importante frisar isso, porque essa mini se vende como “Prelúdio Para o Cisma” e, quando chega na série principal (no Cisma), é totalmente diferente. A arte é feita por vários desenhistas, com destaque para Roberto de La Torre (The Death-Defying Doctor Mirage) na primeira, com um estilo arrebatador.
O CISMA
A série em si tem 5 edições e vem numa pegada totalmente diferente do prelúdio. Tudo começa com Ciclope e Wolverine indo à uma Conferencia Internacional de Armas pra discursar sobre os Sentinelas que os países ainda mantém guardados, reforçando a ideia de que os mutantes não são uma ameaça e que as máquinas precisam ser desligadas, que talvez existam até mais Sentinelas do que mutantes no mundo. Mas pra estragar tudo (como de costume), eis que surge Quentin Quire, o rebelde de cabelo rosa, e manipula telepaticamente todos os políticos presentes, fazendo com que eles falem seus podres em frente às câmeras e ao vivo. Quentin ainda aparece na TV dizendo que os humanos estão ferrados. É o estopim: cada nação começa a reativar seus próprios programas Sentinelas como uma ameaça aos mutantes; uma mensagem de que “nem comecem“. Em Utopia, todos ficam aflitos, já que não sabem se realmente é só um aviso ou se eles pretendem soltar as máquinas em direção à Ilha. É um início muito bom, a gente fica sem saber se veremos uma Genosha 2.0 ou não.
Com a ativação desses Sentinelas, muitos defeituosos e causando mais problemas do que soluções para os humanos, os X-Men se dividem pelo mundo, para cada grupo ajudar onde pode. Descobrimos que uma criança, o pequeno Kade Kilgore, herdeiro das Armas Kilgore, está por detrás de tudo. Ele que armou e planejou essas ações, inclusive a ida de Quire à Conferência. Ele é um pivete que matou o pai e tomou conta da empresa, se tornando o novo Rei Negro do Clube do Inferno. Junto de outras três crianças ricas e poderosas, formam um pequeno esquadrão anti-mutante. O ápice está quando elas conseguem tirar os grandões da batalha (Magneto, Namor, Emma, Colossus, Homem de Gelo) e liberar uma bomba em São Francisco, que suga todo o metal ao redor, formando um Sentinela gigante e burro que passa a caminhar em direção à Utopia, com um único propósito: destruí-la. Não engoli muito bem essas crianças vilanescas e mimadas, assim como o Clube do Inferno (que sempre teve mutantes) ser desmantelado desse jeito. Mas talvez seja esse o ponto que o Jason Aaron (Poderosa Thor), que escreveu a mini, gostaria de chegar: o papel da infância nos X-Men. Num momento esse grupelho, vendo a destruição de Utopia, diz que a melhor coisa de ser criança é ver violência sem sentido. Quem lembra dos desenhos infantis? É o que mais se tem. Uma sacada ótima!
E a grande cisão entre Ciclope e Wolverine é justamente por conta disso: o Sentinela gigante está vindo para Utopia; Emma e os grandões estão nocauteados; Tempestade e outros grupos estão longe; só sobraram as crianças na Ilha. Ciclope acredita no potencial delas e que podem dar conta do recado, afinal ele mesmo começou quando era adolescente. Já Wolverine não quer arriscá-las e prefere que todos fujam e explodam a Ilha junto do inimigo. O embate passa de psicológico para físico, com os dois se arrebentando enquanto o Sentinela se aproxima. Eu fiquei #TeamCiclope, afinal todos ali são X-Men e precisam se unir e lutar, chega de fugir. Por outro lado o prelúdio não fez sentido algum. Nele o Wolverine concordou em ficar e lutar, aqui ele discordou. No prelúdio estavam todos (inclusive Emma e Tempestade) em prontidão, aguardando a chegada da “ameaça”, aqui elas estão de fora. Ou o prelúdio foi uma grande “licença poética” pra revisitar o psicológico dessas pessoas, pelo quê eles lutam (e ele sozinho funciona até que bem pra isso) ou foi realmente uma bola fora. O fato é que as duas séries não se conversam.
Acaba que as crianças (Esperança, Anole e cia.) voltam pra ajudar Ciclope e, juntos, conseguem derrubar o Sentinela (simples assim). Os X-Men ficaram e venceram. Emma e Magneto saem do nocaute (ou as larvas alienígenas que Kilgore e seus amigos mandaram) e percebem o estrago que esses pirralhos fizeram. O Wolverine resolve deixar a Ilha, não concordando com as decisões do Ciclope, pegando um Pássaro Negro e convidando quem quer sair com ele e partir para a Mansão em Westchester, a fim de reconstruí-la. E quem o segue? Justamente os alunos que ajudaram a vencer o Sentinela (ou seja, do lado do Ciclope). Enquanto que em Utopia permanecem Emma, Magneto, Namor… os mais fortes. Os mutantes se dividem novamente. Jason Aaron teve um grande conceito, que é a separação dos X-Men, tratar o eterno embate da equipe, que antes era explícito entre Charles e Magneto, e agora entre Wolverine e Ciclope, mas não segurou as pontas. O final não faz muito sentido, levando todo o desenvolvimento em consideração. A série principal não faz sentido se relacionar com o prelúdio (e vice-versa). O Clube do Inferno mirim surge do nada e faz todo esse estrago…. Teve vários bons momentos, também: o começo é ótimo, ver os Sentinelas sendo ativados e Ciclope agindo como se fosse tudo ou nada é muito bom, mas fica aquele gostinho de que poderia ser melhor. Como comentei, há muito material bom (o lance com as crianças é um deles), mas desliza no desenvolvimento. Gostei muito mais do prelúdio, em ficar na expectativa de descobrir o que estava chegando em Utopia, do que descobrir o que realmente era. E o fato de cada edição trazer um desenhista diferente também não ajuda.
Na edição especial Regênese temos o fechamento de toda essa saga Ciclope Vs Wolverine, mostrando quem ficou do lado de quem, utilizando de uma metáfora muito boa, com os dois como primitivos. Temos Fera e Homem de Gelo indo pra nova Escola que o Logan está construindo, enquanto Namor, Magneto e Emma continuam em Utopia. Os Novos Mutantes, a Geração Esperança e as outras crianças também se dividem.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.