[Review] Batman – Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo!

Arcos Principais: graphic novel.
Publicação Original: Batman: Arkham Asylum – A Serious House on Serious Earth (DC, 1989).
Roteiro/ Arte: Grant Morrison/ Dave McKean.

Asilo Arkham: Uma Séria Casa em um Sério Mundo é uma graphic novel da DC de 1989 e, passados 30 anos da sua publicação, permanece como um dos maiores clássicos dos quadrinhos! Com enredo criado pelo Grant Morrison e arte do Dave McKean, Asilo Arkham surgiu numa época de renovação dos quadrinhos norte-americanos, principalmente após a Invasão Britânica nos anos 1980, quando autores britânicos passaram a escrever e repaginar muitos personagens pra DC, a partir de pérolas como Watchmen e Monstro do Pântano do Alan Moore. Entre 1988 e 1990 tivemos lançamentos de séries como Sandman do Neil Gaiman, Shade, o Homem Mutável do Peter Milligan e Homem-Animal do próprio Grant Morrison, todos autores britânicos com séries que mais tarde, em 1993, viriam a ser lançadas sob o selo Vertigo da DC. Ou seja, Asilo Arkham surgiu em meio a esse boom de novas perspectivas sobre o gênero super-herói. Na história, os presos do Arkham criam um motim e tomam o edifício, exigindo a presença do Batman. Review especial com poucos spoilers!

ASILO ARKHAM

A premissa de Asilo Arkham é bastante simples: os internos do hospício fizeram um motim e tomaram conta do edifício, deixando os funcionários como reféns. Seu único pedido: a presença do Batman, exigido diretamente pelo Coringa. A princípio o Morcego nega, mas ao perceber que os vilões podem matar os reféns, ele decide entrar sozinho no lugar. A partir daí somos levados numa viagem quase psicodélica pelos corredores do Arkham, com o Batman conversando e até enfretando muitos inimigos, em sua maioria das vezes não fisicamente, mas psicologicamente. E esse é o grande trunfo do roteiro do Grant Morrison, sua habilidade de lidar com simbolismo e metáforas, tornando a HQ uma grande alegoria sobre a loucura e a insanidade, o ego e a mente, trazendo referências como os arcanos do Tarô à Alice no País das Maravilhas, resultando numa obra com diversas camadas.

Sou meio suspeito de falar do Morrison porque ele é um dos meus escritores favoritos, criando títulos como WE3 – Instinto de Sobrevivência, Homem-Animal: O Evangelho do Coiote, Os Invisíveis, Mate Seu Namorado e por uma das melhores fases dos X-Men. Ele possui um jeito de criar bastante característico, explorando temas mais abstratos e complexos. Em Asilo Arkham, ao mesmo tempo que temos a história do Batman enfrentando um terror psicológico pelos corredores do manicômio, temos em paralelo a história do próprio Amadeus Arkham, o doutor que criou o lugar para os criminosos insanos e mais tarde perdeu sua própria mente pro lugar.

A arte é igualmente excelente e feita por ninguém menos que Dave McKean, um dos artistas que mais admiro e que me inspirou a entrar no mundo da arte e explorar o universo das colagens digitais. Ele foi o autor de todas as 75 capas da série do Sandman, inclusive fiz uma releitura de uma dessas capas em 2017 (nesse post tem minhas colagens daquele ano), desenhou Orquídea Negra e criou graphic novels como Mr. Punch e Violent Cases. Seu estilo é inconfundível, mesclando arte digital com desenho, pintura, colagens e fotografias. É até seguro dizer que muito do mérito de Asilo Arkham se deve ao seu visual.

A união dos dois, Grant Morrison e Dave McKean, só poderia render coisa boa, né? Como comentado, um dos grandes destaques dessa HQ está em seu subtexto. Começando pelo próprio Batman, que não surge de maneira explícita, mas como uma sombra, quase um vulto, sempre nas trevas. E é interessante porque esse Batman não age como o Batman que conhecemos, que poderia enfrentar esse motim com as mãos amarradas. O Batman aqui é pego até por um dos médicos do manicômio. Não considero que seja uma descaracterização do personagem, até porque o Batman é um dos poucos heróis que consegue caminhar entre esses dois polos, da força e da fragilidade. Nas séries mensais estamos acostumados ao exagero, ao imbatível e sempre preparado Batman, mas geralmente nas graphic novels e especiais podemos vê-lo a partir dessa outra perspectiva, mais pé no chão e próximo do leitor, com medos e frustrações.

Em contrapartida, se o Batman é facilmente derrubado, o Coringa está mais insano e imprevisível que nunca, soltando ameaças e palavrões. E chega a ser estranho, principalmente hoje em dia (que o Coringa virou uma espécie de superstar) vê-lo como o vilão louco que é, que não deveria ser exemplo pra ninguém. A história ocorre no 1º de Abril, então ele aproveita pra pregar várias mentiras e armadilhas. Um outro vilão que surge de maneira extremamente interessante é o Duas-Caras, que costuma caminhar com sua moeda e toma atitudes a partir de dualidades, na base do cara ou coroa. Aqui, o Coringa resolveu testar um novo tratamento com o Harvey: primeiro com um dado, deixando as escolhas do Duas-Caras dentro de 6 possibilidades (como os 6 lados do dado) e, depois, com o baralho do Tarô (e suas 78 cartas). Ou seja, para cada atitude ou decisão que ele precisa fazer, passa por dezenas de possibilidades, mesmo com a ação mais simpes como ir ao banheiro (terminando por fazer nas calças pela demora). Eu achei essa abordagem das características do Duas-Caras simplesmente sensacional.

Uma outra passagem interessante é a do Chapeleiro Louco, vilão inspirado no personagem de Alice no País das Maravilhas. Aqui, ele faz a vez da Lagarta do livro: o Batman o encontra fumando narguile e divagando. Toda a história, aliás, tem um “quê” de Alice: o Batman percorre o Asilo como a Alice adentra o País das Maravilhas, lidando com personagens excêntricos a cada passo. Mas as referências não param por aí, o próprio texto cita Alice em alguns momentos, como na introdução e na cena final. A arte de McKean deixa tudo bastante sombrio e apavorante, seu estilo de narrar a história é livre, com diagramações inusitadas e belas sacadas, como uma sequência que estão cobrindo um espelho com fitas e o leitor está atrás desse espelho, vendo as cenas a partir das brechas que vão ficando. Incrível.

As letras também são um capricho a parte, feitas no original por Gaspar Saladino. Engraçado que em boa parte das HQs de hoje, principalmente as mensais, o letreiramento é algo que não reparamos muito, já que tudo é muito padronizado e digital, com exceção para alguma ou outra onomatopéia. Em Asilo Arkham as letras foram feitas a mão, cada qual refletindo as características de quem fala, como as letras vermelhas e caóticas do Coringa ou as letras flutuantes do Chapeleiro. Nas primeiras republicações aqui no Brasil, as letras da tradução também foram feitas a mão para manter essa fidelidade.

Asilo Arkham – Uma Séria Casa em um Sério Mundo é uma dessas HQs clásicas de leitura obrigatória, que demorei tempo de mais pra ler! Além da história, quase um conto de horror psicológico, os desenhos a transforma numa verdadeira obra de arte. Há muitas camadas no subtexto e nas imagens, diversas referências e simbolismos, que vão do tarô e dragões à Alice no País das Maravilhas. O asilo para criminosos insanos faz jus à fama que leva, com vilões loucos e imprevisíveis, trazendo a loucura e a insanidade para o centro da discussão, levantando questões sobre a mente, o ego, os medos e, também, as escolhas. Mas vale informar que tanto o estilo de narrar do Morrison quanto à arte do McKean podem não agradar uma parcela dos leitores, que podem considerar um tanto confuso (ou bagunçado), com arte estranha ou o comportamento do Batman como fora de caracterização.

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