Inúmeras pessoas passam pelos nossos sonhos todos os dias. As vezes reconhecemos seus rostos, outras vezes não. Em alguns momentos você sabe que aquela mulher é sua amiga, mas seu rosto está diferente, como de outra pessoa, mas você age como se ela realmente fosse sua amiga, você acredita. Mas nosso cérebro não inventa feições, não cria rostos. Então quem são essas pessoas em nossos sonhos?
Sigmund Freud possuía um vasto entendimento do Universo dos Sonhos, elaborando diversos conceitos para compreendê-lo melhor. Um desses conceitos era o de resíduos do dia: “ingredientes essenciais na formação de sonhos. Em quase todos os sonhos está incorporado um traço de memória ou acontecimento do dia anterior, ou uma alusão a esse acontecimento”. Durante a vigília, tudo o que vemos ou sentimos é armazenado em nossa memória. Mesmo quando achamos que esquecemos, eles estão lá. Quando menos esperamos, ativamos essas memórias, como sentir um cheiro e de repente vir à tona toda uma lembrança da infância, de um namoro, de um lugar… uma lembrança que julgávamos perdida. Com o passar do tempo nosso consciente vai organizando essas memórias, colocando lá no fundo aquelas que não considera importante e deixando na superfície as mais recentes e melhores.
A Central dos Sonhos utiliza de toda essa bagagem para criar os sonhos: o inconsciente manipula o onirismo e gera situações, cenários, pessoas, animais etc utilizando dessas lembranças, principalmente dos resíduos do dia. Por isso é comum que em sonhos apareça uma fala, por exemplo, que você ouviu durante o dia. Ou que te contam algo na rua, que você simplesmente ignorou, mas que ressurge no sonho. Assim, nada é novo: como se o sonho fosse um grande conglomerado de pequenos recortes e que, juntos, fazem um determinado sentido. Isso, claro, até a segunda camada. No chamado sonho lúcido é possível fazer esta manipulação de maneira consciente.
A partir deste mecanismo, a Central dos Sonhos otimiza seu sistema: os Arquétipos influenciam e interferem de maneira sutil, enquanto o trabalho mais pesado é feito de maneira automática pelas pessoas. Ao dormir, todo mundo atravessa a Zona Negra e cai na segunda camada, os Sonhos do Cotidiano, onde o consciente adormece e o inconsciente passa a trabalhar e gerar os sonhos utilizando de material do próprio individuo. As pessoas em nossos sonhos não são estranhos ou desconhecidos. Todo mundo com quem sonhamos são ou foram, de alguma maneira, próximos a nós: um amigo, um familiar, alguém que viu na televisão, um atendente de uma loja, alguém que trocou olhares na fila do Banco, um rosto na revista… Ninguém passa despercebido pelo nosso cérebro e o inconsciente trata de avaliar a relevância de cada um. Se rostos não familiares continuam a surgir em seus sonhos, se pergunte por que o inconsciente os julga importante o suficiente para te mostrar? Por que você usaria um rosto X para representar a pessoa Y? Que valor você dá para essas representações e/ ou para essas pessoas?
Ouça outras faixas na mixtape Spirals.
*Este especial faz parte da Central dos Sonhos. Leia Bem-Vindo à Central dos Sonhos e Pandora: a Droga Onírica para mais informações. E veja o Dicionário dos Sonhos para compreender os termos utilizados.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.