[Review] Batman: Os Três Coringas!

Arcos Principais: Os Três Coringas (Three Joker).
Publicação Original: Batman: Three Jokers (DC, 2020)
Roteiro/ Arte: Geoff Johns/ Jason Fabok.

Em meados de 2015 e 2016, a DC publicou o que seria uma das últimas histórias do período dos Novos 52: Liga da Justiça: a Guerra de Darkseid; escrita por Geoff Johns e narrando a nova tentativa de Darkseid, governante de Apokolips, em detonar com a Terra. Dessa vez, ele estava de olho no Antimonitor, capaz de devorar universos. E uma das cenas mais emblemáticas dessa saga foi quando o Batman sentou na Poltrona de Mobius, ganhando onisciência e descobrindo que existem três coringas diferentes em Gotham. Essa informação chocou os leitores, mas logo a DC deu início à fase Renascimento e deixou esse mistério um pouco de lado.

Somente em 2020 que Geoff Johns (Ponto de Ignição) retomou essa história e lançou a minissérie em três edições Batman: Os Três Coringas, esclarecendo todas as dúvidas e colocando um ponto final nisso. Ao lado do desenhista Jason Fabok (Batman/ Flash: O Button), que também foi seu parceiro em A Guerra de Darkseid, eles navegam em toda a mitologia do Coringa, seus principais crimes e repercussões em membros da batfamília. Uma minissérie lançada sob o selo DC Black Label (para histórias mais adultas), recheada de ação, violência, traumas e reviravoltas. Review especial com alguns spoilers!

OS TRÊS CORINGAS

Quando a fase Rebirth (ou Renascimento) começou, muito se especulou o que seria considerado cânone ou não dos eventos anteriores. Mas ao contrário dos Novos 52, essa nova e atual fase da DC não foi um reboot, passando a levar em consideração praticamente tudo o que aconteceu, inclusive eventos dos Novos 52 (com suas devidas diferenças e explicações, claro). E logo no início dessa fase, em 2016, o Batman investigava e colocava o Coringa em três grandes grupos de crimes, dando a entender que existe uma versão que remete à era clássica, uma que remete aos anos 1980 e uma mais recente. Isso foi deixado de lado até 2020, quando tivemos o lançamento de Os Três Coringas, o que dificulta o entendimento de em qual momento da cronologia a história acontece, já que na revista do Batman tivemos vários arcos importantes protagonizados por algum Coringa, como a recente Guerra do Coringa.

Logo no início da minissérie temos um panorama muito interessante da rotina do Batman, com ele voltando de mais uma batalha e sendo recebido pelo Alfred, que é responsável por todos os curativos, pontos e cuidados com os ferimentos. Conhecemos de perto as inúmeras cicatrizes deixadas pelos vilões, de arranhões da Mulher-Gato à queimaduras do Charada. Mas em especial as cicatrizes causadas pelo Coringa, que é colocado como um dos vilões mais problemáticos do morcego. Mesmo assim, para o Batman, nada chega aos pés das cicatrizes e traumas causados pela morte dos pais. E por falar em trauma, em paralelo temos outros dois heróis que já sofreram bastante: a Batgirl, que vê na TV a notícia de que o Coringa atacou novamente, lembrando de quando o vilão a deixou paraplégica; e o Capuz Vermelho, que está seguindo pistas para chegar no próprio Coringa e relembra a vez que foi espancado até a morte pelo mesmo.

Enquanto o noticiário divulga que o Coringa matou um comediante ao vivo, há outras testemunhas que o viram agir num crime e também as câmeras da Ace Chemicals registraram um outro ataque. Mas como que o Coringa poderia estrar em três lugares ao mesmo tempo? Apesar da polícia acreditar se tratar de um golpe, em que um é o verdadeiro e os outros dois são impostores, ainda na edição #1 vemos a reunião de 3 Coringas distintos num chalé, cada qual com uma alcunha e um passado diferentes: o Coringa Criminoso, que seria o original da era de ouro, mais sério e calculista; o Coringa Palhaço, aquele que matou Jason Todd (quando ainda era Robin, antes de se tornar o Capuz Vermelho) em Batman: Morte em Família; e o Coringa Comediante, o clássico de camiseta havaiana que atirou na Batgirl em Batman: A Piada Mortal.

Com os 3 Coringas expostos ao leitor, temos um jogo de metalinguagem e referências muito bom. O Palhaço, por exemplo, chega a ser capturado pelo Capuz e pela Barbara, rendendo uma cena de tortura psicológica muito boa! O Palhaço, que seria o famoso Coringa do pé de cabra, acaba entrando na mente do Jason, dizendo que ele ficou tão traumatizado com a surra que levou, mas ao mesmo tempo não conseguiu se desvincular do Coringa. Ele questiona como que uma vítima pode sobreviver e escolher o codinome do seu agressor, fazendo uma referência ao nome “Capuz Vermelho“, que foi o primeiro título usado pelo Coringa.

Vale comentar que o Capuz Vermelho é o “Robin violento“, que não se importa com a ética do Batman e, acima de qualquer coisa, guarda muito rancor dessa época em que foi morto pelo Coringa, se sentindo abandonado pelo próprio Morcego (que entraria como sendo seu “pai“) e, ainda pior, se sentindo substituído. E todos esses pontos são tratados muito bem dentro do roteiro do Johns, com vários diálogos retomando questões muito importantes e definitivas da batfamília. E por todo o envolvimento, perfil e motivações que o Jason possui, a ideia da minissérie é que os 3 Coringas estão procurando por um novo Coringa, e que não teria ninguém melhor no mundo que o Jason para assumir esse manto.

Um outro ponto positivo e que chama a atenção são os desenhos do Fabok, que também trazem ótimas surpresas e easter eggs tanto para os fãs mais antigos, quanto para os novos. O pé de cabra e a cadeira de rodas, por exemplo, são símbolos que aparecem a todo momento. A violência está bastante explícita e sem rodeios, deixando a história num ritmo frenético de perseguição. Um outro ponto interessante é que o Fabok utilizou de uma estética de diagramação à moda antiga, com todas as páginas contendo 9 quadros (individuais ou que se juntam), lembrando o estilo do clássico Watchmen, por exemplo. Destaque para as feições das personagens e, em especial, para quando uma vítima do Coringa, sofrendo com a paralisia do veneno (que deixa a pessoa sorrindo), tenta dizer algo para a polícia. É chocante e agoniante de ver!

A dualidade Jason x Batman fica mais forte e evidente quando o Capuz Vermelho revida o Coringa Palhaço, dando um tiro na cabeça dele numa das cenas mais impactantes. O que desencadeia uma sequência de eventos que vão desde a Barbara julgando o que o Jason fez, já que heróis não matam (não importando se os Coringas estão deixando um rastro de destruição e morte pelo caminho), até uma nova retomada do Cinema Monarca e um Jason sofrendo outro novo espancamento (outra cena muito impactante). E por falar nisso, um outro ponto interessante na trama é Joe Chill, o criminoso que assassinou os pais do Bruce quando estavam saindo do Monarca. Conhecemos um pouco mais da sua origem, deixando o trauma do Batman mais “palpável”, dando uma outra perspectiva ao evento que levaria o pequeno Bruce a se transformar no Cavaleiro das Trevas. Chill era um homem pobre com raiva e inveja dos ricos, principalmente a família Wayne, e acreditava ter se tornado o que se tornou (um criminoso) graças aos ricos (os generosos), uma clara alegoria à dualidade herói – vilão (um depende do outro pra viver). Com o tempo, porém, Chill se arrependeu do que fez e desde então vem tentando se redimir.

Colocar o Batman cara a cara com o assassino dos seus pais é uma boa sacada e tem um ótimo desfecho. Pois muitas vezes um pedido de desculpa ou arrependimento verdadeiro é tudo pelo que o Batman correu atrás esse tempo todo, principalmente para ter uma consciência mais tranquila. E por outro lado, é o mesmo sentimento que o Jason Todd tem em relação ao Bruce, já que só queria ouvir um pedido de desculpas, de que ele era importante e insubstituível. Esse jogo psicológico e inversão dos papéis é outra qualidade no roteiro do Geoff Johns.

O desenrolar da trama segue alguns padrões (ou clichês, até) das infinitas brigas entre o Batman e o Coringa, como o próprio Cinema Monarca (inclusive tivemos uma cena muito semelhante no recente A Guerra do Coringa), edifícios em chamas e os rivais se matando no fogo cruzado. Apesar de explorar o conceito dos 3 Coringas, a minissérie também faz questão de finalizar com um novo status quo para o vilão, colocando um dos três como sendo o principal e que irá continuar na cronologia. Há também, perto do final, um diálogo muito bom que reforça a união entre o Batman e o Coringa, pois o que seria um sem o outro? Reforçando alguns aspectos dessa mitologia, como o Batman não matá-lo ou o próprio Coringa não revelar a identidade do Bruce.

Os Três Coringas veio com a tarefa de homenagear e redefinir a relação Batman e Coringa, assim como A Piada Mortal fez 30 anos atrás ao mostrar até onde o vilão podia chegar, quando vimos ele atirar e possivelmente estuprar a Barbara. E enquanto A Piada Mortal permanece um marco das HQs, só o tempo dirá como Os Três Coringas irá envelhecer, como essa perspectiva do Coringa sendo quase uma força da natureza, algo e não alguém, será lido no futuro. Mas no hoje, particularmente eu gostei muito da história, com roteiro e desenhos muito engenhosos. Com destaque para toda a trajetória do Jason Todd, que não raramente é um personagem bem chato, mas aqui percebemos todo o seu sofrimento, o inferno que passou antes e que está passando agora. Meu ponto negativo fica para algumas inconsistências na continuidade, como a mudança de alguns aspectos da própria Piada Mortal (como a morte da esposa do Coringa) e aquela sensação de “eu sempre sabia” do Batman, que fica difícil de encaixar com o histórico que temos. A própria mini é difícil de encaixar em algum momento cronológico, já que o Alfred foi morto em Cidade do Bane, por exemplo.

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