Arcos Principais: Edição especial.
Publicação Original/ Brasil: SOLO #12 (DC, 2006)/ Inédito.
Roteiro/ Arte: Brendan McCarthy.
SOLO foi uma proposta da DC onde cada edição seria criada por um artista diferente, na qual ele teria total liberdade criativa, podendo trabalhar com qualquer personagem da editora e criar a história que quisesse. A primeira edição saiu em 2004 e seguiu bimestralmente até 2006, quando foi cancelada na #12. Passarem pela revista artistas como Tim Sale (Mulher-Gato: Cidade Eterna), Paul Pope (100%), Mike Allred (Art Ops) e Sergio Aragonés (Groo, o Errante). No Brasil a série nunca foi publicada na íntegra, mas sim picotada pelas Wizmania da vida (hoje extinta) e outras histórias curtas saindo em mensais. Já nos EUA, as 12 edições foram compiladas num super encadernado. Este review é justamente do último número, com as criações psicodélicas do Brendan McCarthy, um dos meus artistas preferidos. Sem (muito) spoilers!
McCarthy cria diversas histórias curtas durante as 50 páginas de SOLO #12, aparentemente com nenhuma conexão entre uma e outra. A princípio, parece até que nem tem nada da DC, de tão diferente que é seu estilo narrativo. Aos poucos que vamos percebendo um herói aqui e outro ali, culminando numa história maior e mais interligada. Isso é tanto a qualidade quanto o defeito da edição. Como fã do artista, percebi diversos pontos que são bem comuns em suas HQs, uma delas é a metalinguagem: a história dentro da história, o gibi dentro do gibi. Nas primeiras histórias temos um Duque comprando um gibi numa Comic Shop, enquanto depois vemos o protagonista da revista andando pela rua. Nas outras histórias vemos outros personagens das revistas da Comic Shop também aparecendo. Em Rogan Gosh, uma HQ do começo dos anos 1990 que ele fez junto do parceiro de longa data Peter Milligan, temos esses mesmos pontos, o quadrinho dentro do quadrinho, o animal guia, o demônio libertado.
Em seguida vemos Eramus, um mago a lá Constantine, lutando contra demônios na história mais “linear” de toda a edição, intitulada “Johnny Sorrow” (que tive dificuldade em achar a relação). A estética de McCarthy é bastante única, super colorida e cheia de detalhes, cabeças em cima de cabeças, tudo parece ter saído de um planeta distante, num estilo extremamente psicodélico, que auxilia no nonsense da história e da qual, particularmente, eu adoro. Um dos problemas, entretanto, é que temos pouco de “DC”. Numa das histórias é o Barry Allen, o Flash, que protagoniza, numa viagem do tempo-interespecial-dimensional-ou-algo-assim muito boa, numa outra temos o Batman enfrentando mãos assassinas no roteiro de um personagem fã do morcego. Fora os dois, vemos um vislumbre de Brainiac, Superman e Bizarro. A edição parece muito mais um compêndio da mente de McCarthy do que sobre o Universo DC, principalmente porque ele mesmo faz parte da narrativa.
Numa das histórias finais, dois adolescentes vestidos de herói pegam um ônibus e partem para outro lugar, onde temos o desfecho. São diversas camadas de história dentro da história dentro da história dentro de alguma outra coisa, ou algo assim. Como no posfácio de Rogan Gosh, em se tratando de McCarthy (ou do Milligan) todas as alternativas de interpretação podem ser válidas e vão se modificando em cada leitura. O que não é ruim, mas poderia ter sido bem melhor. A loucura e as diversas camadas não é o problema, pois é justamente o estilo do artista (ele foi o capista de Shade, o Homem Mutável), e é muito interessante começar a desvendar o que você acabou de ler: desde o Duque comprando o gibi do “Senhor Nada” ao “Senhor Nada” caminhando pela rua, passando pelos gibis jogados na praia com o miolo recortado, encontrados pelo Flash de outra dimensão, passando pela viagem de ônibus, ao Templo do Autor e ao desfecho. Mas como deu pra perceber, é muito mais uma viagem extremamente autoral que em cima do Universo DC, que foi a principal proposta da série SOLO.
Tanta coisa que seria interessante de ver pela mente do McCarthy, como algo maior do Bizarro ou personagens mais obscuros tipo Crazy Quilt, acabaram ficando em segundo plano. E é uma raridade vê-lo desenhando pra Marvel e DC. Uma outra questão é que, talvez, a DC não estivesse preparada pra ele. A história dos dois heróis, por exemplo, era para os dois adolescentes estarem vestidos de Batman e Superman, aumentando a metalinguagem e se aproximando mais da proposta, mas foi vetada (por relacionar os dois com bebida e filme pornô), e acabou sendo a fantasia de dois heróis genéricos, conforme seu falecido fãsite. SOLO #12 é uma edição psicodélica, apresentando algumas das principais características do artista, mas numa versão compacta e até mais contida, se comparar com outros de seus trabalhos, com pouca presença da DC, mas com uma história bem interessante de se desvendar (ou não) numa segunda, terceira leitura! A revista é inédita no Brasil, porém foi traduzida por fãs.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.