Arcos Principais: Sem título.
Publicação Original: New Mutants #1-2, #5 e #7 (Marvel, 2020)
Roteiro/ Arte: Jonathan Hickman/ Rod Reis.
Após os eventos de Dinastia X/ Potências de X, quando Charles Xavier anunciou ao mundo a nova ilha nação mutante Krakoa, a Marvel reformulou todas as revistas X. O carro chefe continuou sendo a X-Men, com roteiro do próprio Jonathan Hickman (e que já fiz o review do primeiro arco aqui!), enquanto as demais revistas abordam outros núcleos de personagens. A proposta da revista dos Novos Mutantes foi inusitada, com suas primeiras edições intercalando roteiristas, histórias e membros. A edição #1 foi escrita pelo próprio Jonathan Hickman em parceria com Ed Brisson, apresentando os Novos Mutantes ao novo universo de Krakoa. As edições #2, #5 e #7 mantiveram o roteiro do Hickman e formam um arco que foca nos membros originais, enquanto as edições #3-4, #6 e #8-12 foram escritas pelo Brisson e formam também um arco, mas com foco em novos membros. Algo semelhante com o que tivemos na revista da Mulher Maravilha no começo do Renascimento, com as edições ímpares ocorrendo no presente (arco As Mentiras) e as edições pares retratando o passado (arco Ano Um). Começamos, então, pelo primeiro arco escrito pelo Hickman: Contra o Império Shiar! Review especial com spoilers.
CONTRA O IMPÉRIO SHIAR
Um dos pontos positivos do arco, ainda mais nessa nova fase, é reunir toda a turma dos Novos Mutantes originais: um prato cheio aos fãs saudosistas. Então temos Mancha Solar, Miragem, Karma, Magia, Cifra e uma Lupina renascida (ela havia morrido em Fabulosos X-Men: Sempre Fomos), todos da primeira geração e que estranham o novo paraíso proposto por Krakoa. O Mancha Solar parece ser o mais incomodado, principalmente por sentir falta do Míssil (outro integrante da primeira geração), o que desencadeia os eventos principais do arco. Ele convence os demais membros de irem até o espaço, pegando carona com os Piratas Siderais, para visitarem e trazerem Sam de volta. Além dos membros já citados, temos também o mutante Câmara (que gosto muito) e o retorno do Mondo, um mutante lá dos anos 1990 e membro da Geração X, cujos poderes envolvem absorção de matéria.
Mas apesar do sentimento de nostalgia, eu tive um misto de sensações ao ler todo esse arco. E o principal problema, ao meu ver, foi o excesso de informação em pouco tempo. Só na primeira edição a gente tem mais de 10 personagens interagindo, se contarmos os Novos Mutantes e os Piratas Siderais. E tudo acontece tão rápido que os conflitos soam artificiais. Por exemplo, ainda nessa primeira edição, deu tudo errado na carona para o Império Shiar. Os Piratas fazem uma pausa para cometerem um pequeno delito, mas as coisas saem dos trilhos graças ao Mancha Solar. Solução: os Piratas simplesmente abandonam os Novos Mutantes no planeta (já que eles seriam um estorvo) e vida que segue. Simples assim. O Macha Solar, que é o protagonista e narrador da trama, é outro que está insuportável. Chato demais!
Nesse planeta eles são capturados pela Guarda Shiar e levados a julgamento. Porém só vemos flashes do ocorrido, já que no começo das três edições seguintes temos uma espécie de recapitulação narrada pelo Mancha Solar, em que ele retoma e resume os acontecimentos que vimos e o que não vimos. Então as vezes o que levaria uma edição inteira a mais, ele simplesmente resume em uma página. E ele é muito chato, egoísta, orgulhoso e se acha demais. Entendo que são pontos de sua personalidade, mas ficou muito exagerado, tanto que não criei nenhuma conexão com ele, ao contrário de personagens semelhantes como a M ou a própria Emma. E apesar de termos um monte de outros membros na equipe, ninguém ganha tanto destaque quanto ele.
Um ponto sobre essa recapitulação, para entenderem como acabou afetando negativamente a leitura, pelo menos pra mim. Na edição #2 o grupo é preso, julgado e condenado pelos Shiar, sendo transferidos para a prisão pelo próprio Míssil e sua esposa, a Esmagadora da Guarda Imperial. É um momento de reencontro, mas nas circunstâncias erradas. Porém o Gladiador, atual Majestor do Império, acaba perdoando os crimes do grupo caso eles façam uma missão real: trazerem a Rapina de volta ao planeta; ela será a nova conselheira de Xandra, futura Majestrix. E essa edição finaliza no exato momento em que os Novos Mutantes encontram a vilã Rapina, prometendo um super embate entre eles. E o que temos na edição #5 (terceira parte)? O Mancha Solar simplesmente resume tudo em poucos quadros, dizendo que enfrentaram a Rapina e ela aceitou ser levada ao Império Shiar. Simples assim, totalmente anti-clímax, pois promete muito e entrega pouco.
O retorno da equipe é cheio de turbulências. Uma traidora entre o conselho do Gladiador envia o Esquadrão da Morte Shiar para aniquilar a nave, com a missão de deixar ninguém vivo para contar a história. Essa conselheira não acredita que a Rapina possa ser útil ao Império, sendo a morte a melhor solução. Teremos uma super batalha entre o Esquadrão e os Novos Mutantes, então? Não. Em pouco tempo o tal do Esquadrão, que seria uma força mortal, é aniquilado. Mesmo assim, temos alguns pontos interessantes que merecem destaque. Um deles é o comportamento da Magia, que é uma das Capitãs de Krakoa: quando a situação tende pra batalha iminente, ela logo se posiciona como líder de combate e bola toda uma estratégia para eliminar a ameaça. O Câmara também tem alguns bons momentos, principalmente por parecer o único sensato no grupo, ligando o fod@-se e, literalmente, dizendo “vocês que lutem“. Foi bem engraçado.
A edição #7, quarta e última parte do arco, reforça a estrutura que o Hickman quis desenvolver na trama: o Mancha Solar continua recapitulando tudo no início, resumindo os fatos e contando coisas que não vimos, mas ainda quebra a quarta parede e fala diretamente com o leitor, inclusive se entendendo como personagem de quadrinhos e brincando com os clichês do gênero, como as batalhas incansáveis. Apesar de interessante e até lembrar da clássica HQ da Mulher-Hulk do John Byrne, o curto espaço de tempo e a quantidade de eventos acontecendo não ajudaram no desenvolvimento. Em três edições os Novos Mutantes viajaram com os Piratas Siderais, enfrentaram a Guarda Shiar, foram presos, julgados e condenados, saíram em missão de resgate da Rapina, combateram o Esquadrão da Morte, entre outros detalhes, tudo isso em cenas que vimos e outras que só foram narradas pelo Mancha Solar. E no final tudo acaba em pizza, com soluções muito rápidas de todas as situações do arco. Xandra, por exemplo, que esteve tímida e indecisa durante toda a história, no último momento ganha autoridade e perdoa a guardiã traidora e ainda a transforma em sua conselheira particular, ao lado da tia Rapina, para que ela possa equilibrar as decisões. Os Novos Mutantes colocam a planta-portal de Krakoa no Império Shiar e temos uma festa na página seguinte à briga final, tudo muito abrupto.
Mas e o Míssil? Bom, ele o Mancha Solar acabam tendo uma longa conversa, colocando o papo em dia, relembrando os velhos tempos de quando formavam uma super dupla. É uma das poucas cenas do final que trazem um diálogo mais pé no chão e uma conexão real com a nostalgia do leitor. Mas Sam quer formar uma família com sua esposa e não se vê voltando para a Terra. E em contrapartida, o Roberto se apaixonou pela Rapina e decidiu permanecer mais um tempo no planeta a fim de conquistá-la. Vale lembrar que a arte é do Rod Reis, um artista de mão cheia e que possui um estilo bastante característico, com tudo muito fluido, colorido e leve. E é interessante, pois ele traz a HQ para um universo mais artístico, diferente do traçado tradicional dos quadrinhos de herói, há diferença entre o traço de personagens e o de cenário, o uso de contorno as vezes ocorre, outras vezes parece um rascunho, demonstrando uma liberdade e versatilidade grande na arte. Um primeiro arco nostálgico, com uma pegada jovem e bem humorada, trazendo questões interessantes como adaptação, amizade, paixão e outros elementos clássicos desse universo, uma estrutura que quebra a quarta parede e não se leva tão a sério, além da arte bonita do Reis. Mas um roteiro que parece um trilho descarrilhando, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e levando pra lugar nenhum, além do protagonismo do Mancha Solar não ter ajudado, com um falatório sem fim nas introduções e sendo um cara insuportável. Particularmente, achei que teve história suficiente para dois arcos.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.