Arcos Principais: Sem título.
Publicação Original/ Brasil: Mister Miracle #1-6 (DC, 2017)/ Inédito.
Roteiro/ Arte: Tom King/ Mitch Gerads.
O Senhor Milagre é um personagem classe B da DC, criado pelo Jack Kirby nos anos 1970, como parte da trama envolvendo os Novos Deuses e o Quarto Mundo, mas nunca vingou muito, sempre renegado àqueles personagens secundários e alternativos. Sua origem é, pra dizer o mínimo, bastante caricata: apesar da origem divina, cresceu nas prisões da Vovó Bondade em Apokolips (lar do Darkseid), onde conheceu Grande Barda, das Fúrias Femininas, que o ajudou a escapar para a Terra e, mais tarde, se tornou sua esposa e parceira. E é na Terra que Scott Free conhece um mestre do escapismo e se transforma no Senhor Milagre que conhecemos. Quer dizer… Vovó Bondade? Se falassem que iriam lançar uma série cult dele, 10 anos atrás, poucos acreditariam! Mas em 2017 publicaram a primeira edição, de uma minissérie de 12 edições, escrita pelo Tom King, o atual roteirista do Batman e também o responsável pela minissérie do Visão, na Marvel, que também foi aclamada pela crítica; além dos desenhos do sempre ótimo Mitch Gerads. Ambos já haviam trabalhados juntos em Sheriff of Babylon e também numa ótima edição do Batman com o Monstro do Pântano, então não tinha como dar errado e, mesmo quando as primeiras páginas foram divulgadas, a mini já foi alçada ao status de cult. Mas então, é toda essa Brastemp mesmo? Review especial sem muitos spoilers do primeiro volume (edições #1-6)!
ESCAPANDO DA MORTE
Scott Free, o Senhor Milagre, é o maior escapista da Terra, o nosso novo Houdini. Mas, dentro de suas crises, resolveu desafiar a única coisa da qual pensou que não conseguiria escapar: da morte. E é assim que a série começa, nos trazendo um Scott Free que tentou se suicidar, mas sem sucesso. Ou seja: ele escapou, sim! Interessante que o Senhor Milagre possui um programa, uma espécie de show, então tudo vira assunto de showbusiness, com ele dando entrevista sobre a morte e tudo mais. Nesse ponto, a arte do Mitch Gerads, que assina dos desenhos às cores, se encaixa muito bem, já que é toda “quadriculada“, com várias páginas no mesmo layout de 9 quadros e também com efeitos especiais televisivos muito interessantes. Um outro ponto legal no começo é vermos o contraste da Grande Barda com o restante do ambiente, já que ela é uma giganta. Fica nas entrelinhas se, após ou com esse suicídio, se ainda estamos na realidade tradicional da DC, se ele perdeu a memória, se a realidade mudou ou algo do gênero, já que muitas informações que conhecemos vão se alterando com o passar da história.
Como o próprio contexto em que o Senhor Milagre foi criado é bastante caricato, aqui essa característica se manteve. Orion é o novo Pai Celestial de Nova Gênese, exigindo sua presença no lugar, para a guerra que está por vir contra Apokolips. E já na segunda edição temos a participação surpresa da Vovó Bondade (sério, esse nome é de matar!) numa cena muito boa, com ela recebendo Grande Barda (que a odeia) e Scott Free numa mesa de jantar, onde há um prisioneiro passando fome, sendo obrigado a vê-los comendo. Tudo muito calmo, até que a Grande Barda resolve dar um basta, rendendo uma das melhores cenas. Aliás, ela se revela uma personagem cheia de carisma. A trama segue pela sede de poder de Orion, que se considera a nova face de Deus, me lembrando um pouco de Watchmen, e pela guerra entre os dois lugares, até onde ela é real? Nesse meio tempo, temos o Senhor Milagre tentando tocar o seu show de escapismos.
Mas o trunfo dessa série do Senhor Milagre, também acaba sendo seu Calcanhar de Aquiles. O roteiro do Tom King, como de costume, guarda diálogos e cenas muito bem construídos, como as discussões entre Orion e Scott, ou a reciprocidade entre o casal protagonista. A arte de Gerads, também como de costume, é sensacional: numa sequência onde Barda e Scott transam e acabam formando uma cruz ao final, é fantástica! Os efeitos televisivos, o uniforme dos Novos Deuses, as cores, ótimo. Mas seu estilo de 9 quadros, lá pela quarta edição, cansa um pouco. Até porque há muita repetição de imagem, pra dar ênfase à alguma cena, então parecem um número infinito de quadros. E o vai e volta entre Terra, Nova Gênese e Apokolips deixa o leitor um tanto confuso, também. Há uma ideia de recriar a coisa do cotidiano que vimos na série do Visão, como numa sequência em que Barda e Scott discutem decoração enquanto descem a porrada em geral, mas não chega a ser tão envolvente, ficando meio massante. Pegando carona em HQs mais alternativas, o próprio Scott Free parece um hipster. Confesso que, ao terminar de ler esse primeiro volume, o desenrolar foi um pouco diferente do que imaginava. Mesmo assim, é um ótimo quadrinho, com cenas bem feitas, arte psicodélica de encher os olhos e uma Grande Barda com sangue no olho que precisa aparecer em outras séries! Ao mesmo tempo em que uma subtrama envolvendo o Darkseid vai sendo criada. Uma retomada de um personagem que estava esquecido, sendo reapresentado ao grande público e provando que tudo é possível, independente do herói ou vilão, na mão de uma equipe talentosa.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.