Arcos Principais: Telhados (Rooftops).
Publicação Original/ Brasil: Batman #14-15 (DC, 2016)/ Inédito.
Roteiro/ Arte: Tom King/ Mitch Gerads.
O Batman e a Mulher-Gato possuem uma relação nada saudável e é sobre isso que essa história em duas partes se trata. “Rooftops” acontece entre dois arcos grandes em que Tom King vem trabalhando: logo após Eu Sou Suicida e antes de Eu Sou Bane, que ainda está saindo lá fora. Com a missão em Santa Prisca sendo um sucesso e a Gata ganhando uma pena mais “amena”: de sentença de morte para prisão perpétua; ela pede ao Batman uma última noite em Gotham, no melhor estilo gata e morcego, com os dois curtindo a vista sobre os telhados, antes de ser enviada à prisão. Review com spoilers, apesar do arco funcionar muito bem de maneira independente, comentando um pouco sobre o que o roteirista tá fazendo com o personagem, nessa montanha-russa de edições.
TELHADOS
Após a missão de resgatar o Pirata Psíquico, o Batman ficou responsável de levar a Mulher-Gato para a prisão Blackgate, onde pegou perpétua ao invés de pena de morte. Mas ela pede uma última noite livre e assim os dois passeiam pelos telhados, enfrentam vilões (já que o Batman é super requisitado) e discutem sobre a vida e a relação deles. A história é bem mais contida e menos megalomaníaca que as anteriores, funcionando melhor. Selina mostra seu apartamento pro Bruce e suas economias: um saquinho de diamantes; que ela joga no chão e os dois transam em cima deles, sob o céu estrelado. É quase um remake do começo dos Novos 52, onde os dois fizeram algo bem parecido. Mas claro que dar mais uma noite pra Gata é problema e claro que ela vai fugir na primeira oportunidade. E no caminho para pegá-la de volta, ele pede a ajuda da Holly Robinson mas é atingido no pescoço de surpresa por ela e cai. A Gata chega para salvá-lo e acaba ajudando Alfred a cuidar dele. Não há identidades secretas nem mistérios, é tudo bastante claro.
Apesar da história não ser surpreendente, ela é muito boa e apresenta algumas mudanças do Rebirth: Holly Robinson continua como uma espécie de sidekick da Mulher-Gato, mas o passado dela aqui é num orfanato, onde matou centenas de pessoas (não é comentado sobre ela se tornar prostituta ou não); tanto o Batman quanto a Gata se declaram um para o outro, mas no fundo sabem que isso nunca daria certo; até mesmo Alfred tá sabendo da identidade secreta dela. Um outro ponto que chama atenção é a arte de Mitch Gerads, que é sensacional. Tudo é muito bem enquadrado e fluido, num estilo mais pintado bem bonito, com direito a cenas oníricas numa pegada mais clássica e colorida, imitando traços icônicos de desenhistas do passado, mostrando a versatilidade do artista. A série do Batman tá com a sorte de ter ótimas pessoas desenhando.
Mas o arco anterior deixou muito a desejar, o que acaba criando essa divergência de opiniões quanto ao que o Tom King (O Visão) vem fazendo com o personagem. Entendo que no primeiro arco ele tinha que apresentar o Batman ao grande público, aos leitores que estavam começando a ler agora por conta do Rebirth, por isso tivemos cenas grandiosas e super exageradas porque ele é O Batman. E tem algo no estilo dele que realmente estou gostando (e não é só o fato de sempre aparecer uma bundinha aqui, um peitoral ali), talvez a maneira de mostrar Bruce como alguém vulnerável, que é atingido, pego de surpresa, que também ama e tem seus demônios. No arco anterior ficou no ar que ele tinha tendências suicidas e talvez isso o tenha levado a ser o Batman, fugindo um pouco da ideia tradicional de vingança pela morte dos pais. Mesmo na luta com o Bane e agora sendo salvo pela Gata, ele parece um saco de pancadas. E isso não é totalmente ruim. Claro que ele ser atingido por uma faca e cair, simples assim, é meio absurdo. Mas okay. O que mata mesmo é que Tom King não mantém essa ideia em 100%. Ao mesmo tempo em que o Batman é derrubado pela Holly Robinson, ele consegue manobrar um avião. Esses contrastes são muito evidentes e acaba prejudicando o todo. Mesmo com desenhistas diferentes, a gente também percebe alguns padrões na arte, como as cenas de luta sequenciais, indicando que o autor pode estar envolvido na elaboração das páginas. E aí acontece a mesma coisa, enquanto temos sequências com mil soldados ou com apenas um vilão, em ambos os casos não parecem surtir efeito algum e estão lá só pelo choque. Ele fica entre o romance mega mexicano (com um Batman se entregando de bandeja pra Selina) e o herói sem sentimentos (ligando pra nada e ninguém, super arrogante contra o Bane). Decida-se.
Esse arco curto, que apelidei de Sobre os Telhados de Gotham, mostra que a Gata é um dos pontos fracos dele, além do quanto eles se gostam. Também reafirma a pegada do personagem nesse Rebirth, pra um lado quase que depressivo, sério e de poucas palavras (menos do que estamos acostumados) mas que desata a falar com sua paixonite. Um Batman que se deixa enganar. Sem contar com a arte sensacional de Mitch Gerads (O Justiceiro). Mas também é um pedido ao roteirista, para que se decida pra onde quer levar a série: pra algo super exagerado e megalomaníaco ou pra algo mais introspectivo e “humano”. Manter os dois fica difícil e já vimos que não dá muito certo.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.