Amanhã acontece em São Paulo a 18ª Parada do Orgulho LGBT, manifestação que reúne milhões de pessoas na Av. Paulista reivindicando igualdade e respeito para a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). Sem entrar nos rumos que o evento tomou, é importante lembrar que estão reunidas ali milhões de pessoas em prol de direitos iguais ou simplesmente para comemorar e festejar manifestando seu não-preconceito, o que já é uma conquista.
Recentemente a temática “LGBT” vem sendo alvo de diversos debates, seja de cunho educativo ou de inclusão. E a representatividade dela dentro de novelas, livros, filmes e outros meios se tornou bastante polêmico nos últimos anos. Este artigo especial visa explorar a falta de diversidade sexual dentro dos Quadrinhos, a relação do público em frente às minorias e a importância de discutir e incluir o assunto em nossas leituras.
Venho observando a crescente utilização do termo “Orgulho Hétero”, algo no mínimo curioso. A comunidade LGBT precisa ter orgulho tendo em vista que precisam assumir e compreender a si mesmos dentro de uma sociedade que os condena e reprime (X-Men?) para depois tornar público para família e amigos, as vezes até no trabalho, o que nem sempre é agradável e expõe o indivíduo. Se não bastasse tudo isso, ainda precisam conviver numa civilização que cria carnavais para conceder direitos igualitários aos de indivíduos e casais héteros, sem contar no preconceito. E no final do dia essa pessoa conseguir dizer “tenho orgulho do que sou” é um passo enorme. Então qual o sentido em “Orgulho Hétero?”.
Os quadrinhos são uma arma poderosa, geralmente o primeiro contato das crianças com o mundo das letras e imagens, facilitando a alfabetização. Sendo assim, é um ótimo meio de debater questões pertinentes às crianças e adolescentes (o que Maurício de Sousa e Cia. já vem fazendo há anos) e despertar o senso de justiça e moral dos leitores, apelo feito pelas séries de super-heróis. São mais que mero “passa-tempo” ou entretenimento, títulos como V de Vingança discute política e liberdade de expressão, a eterna Rê Bordosa já falava de uma emancipação sexual feminina, enquanto Maus faz uma metáfora do período nazista, entre muitos outros clássicos que estão aí não apenas para leitura, mas sim pra gerar uma discussão, forçar o leitor a pensar um pouco e sair da zona de segurança.
Sendo assim, por que a resistência contra a inclusão de personagens e temáticas LGBT? Quando houve o casamento do Estrela Polar com seu namorado, estrelando uma capa dos X-Men, muitos leitores criticaram a iniciativa, assim como quando revelaram que o “novo” Lanterna Verde voltaria gay. Entre as desculpas e comentários estavam: “não quero pensar nessas coisas enquanto estou lendo pra me divertir”; “não quero que meus filhos vejam isto”; “qual a necessidade disto?”; “doutrinamento gay até nos quadrinhos”; entre tantas outras.
Algo lamentável. O público leitor de comics é formado em sua maioria por homens já grandinhos, que começaram a ler nos anos 1980 e 1990. O leitor adolescente é cada vez menor, mesmo com o sucesso das adaptações cinematográficas. As crianças não querem ler Turma da Mônica, é algo visível até mesmo nas escolas, os adolescentes migraram sua atenção para os mangás, e o publico mais velho são quase que os únicos que acompanham heróis, graphic novels e tem cacife pra bancar o alto preço das HQs atualmente. Os criadores de conteúdo também são maioria homens, é difícil ver mulheres tendo papéis importantes em grandes sagas, inclusive nas próprias histórias. (Já comentei aqui sobre a participação feminina nas HQs).
E com essas declarações, como não achar o público masculino machista? É engraçado como é necessário todo um contexto para a criação de um personagem LGBT, porque senão é “doutrinamento gay”. Mas é mais engraçado como não precisa de justificativas para defender o uso de biquíni e salto alto para combater o crime. “Não quero que meus filhos vejam isto”. Quer dizer que toda a violência presente nos quadrinhos de heróis é permitido, a super-exposição do corpo feminino também, casais héteros se beijando ou até mesmo aparecendo na cama também está de boa? É incrível como existe todo esse falso moralismo entre os leitores.
É um fato que a presença da comunidade LGBT nos quadrinhos existe há várias décadas, seja pelo casal de caubóis Rocky & Hudson das tiras de Adão Iturrusgarai em 1987, pela saída do armário de Estrela Polar em 1992, os vários personagens de Sandman em 1989 ou em séries mais recentes, como o casal Wiccano & Hulkling dos Jovens Vingadores. Mas só agora tais personalidades vem ganhando espaço na mídia e público, deixando o submundo das HQs underground e plots secundários.
E qual a importância disso? Além da já comentada função educativa que as HQs possuem, as vezes mais acessiva e ilustrativa que muito livros por aí, temos a questão de identidade com o leitor. Grandes personagens também são característicos por despertar no leitor uma cumplicidade, uma identificação. Quantas vezes não nos espelhamos ou queremos seguir determinados personagens? Não nos identificamos com eles? Muitas histórias mostram personagens que passaram por situações que também passamos, vivem crises que já vivemos ou retratam toda uma geração.
Os X-Men, por exemplo, cresceram em cima do debate sobre discriminação. É a equipe mais diversificada dos quadrinhos, seja racial ou sexualmente. Eles simbolizam as descobertas na adolescência, a busca pela aceitação numa sociedade que não os compreendem, o sonho do convívio igualitário e pacífico. Em tese, é o resultado de quase tudo debatido aqui. Mas os mutantes representam apenas uma fatia de todo o mercado quadrinístico.
Lembra de toda a história de orgulho que comentei lá em cima? Então, esse mesmo público leitor que tem orgulho de suas condições precisam, também, ter bons personagens que possam se identificar. E mais importante ainda, o leitor que ainda está “se descobrindo”, passa as típicas dificuldades de aceitação, poderia ter nos quadrinhos um meio de se encontrar, de admirar um personagem que passou pelas mesmas dificuldades e que agora possui orgulho de si mesmo. É pela falta dessa “identificação” que defendo a inclusão da comunidade LGBT nos quadrinhos, e os argumentos já utilizados contra isso não fazem o menor sentido.
Felizmente, estamos vivendo numa época de melhor aceitação e vários artistas e roteiristas estão aí defendendo este ideal. Laerte Coutinho é um dos maiores exemplos no mercado nacional, criando histórias e debates em torno da homossexualidade e da identidade de gênero, algo ainda mais complexo. Sem dúvida precisamos de mais pessoas assim, com uma clareza e entendimento acima da média capazes de transportar seus ideais paras os quadrinhos, tentando modificar o pensamento de uma sociedade machista e preconceituosa.
Evitei focar em listar personagens gays (o que já fiz numa lista há 3 anos atrás – que preciso atualizar) ou entrar em questões mais específicas. Tentei, com este artigo, dar uma clareada neste interminável debate sobre inclusão LGBT nos quadrinhos, de sua importância. Há bem mais coisas à se discutir, principalmente em se falando de minorias, mas deixaremos para uma próxima ^^. E você, o que pensa a respeito?
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.
Parabéns pelo texto.
Os leitores que conheço torcem para seu herói derrotar o vilão ditador e autoritário mas não hesitam em usar palavras do tipo “viado, macaco e puta” no dia-a-dia.
Não podemos deixar o “X-Men” morrer assim que fechamos nossas HQs.
Obrigado pelo comentário! Realmente é bem contraditório alguns fans de heróis, e pior ainda quando se trata dos mutantes.