Arcos Principais: A Lei de Faust (The Faust Act).
Publicação Original/ Brasil: The Wicked + The Divine #1-5 (Image, 2014)/ The Wicked + The Divine Vol. 1 (Novo Século, 2016).
Roteiro/ Arte: Kieron Gillen/ Jamie McKelvie e Matthew Wilson.
The Wicked + The Divine é uma série da Image que começou em 2014 e hoje é uma das mais bem criticadas da editora, somando 28 edições publicadas + alguns especiais atualmente. Vencedora do British Comic Awards 2014 de Melhor HQ e indicada a três Eisner em 2015, seu primeiro arco chegou no Brasil no final de 2016 pela Novo Século, compilando as 5 primeiras edições. E agora, 6 meses depois, ela chegou à plataforma digital Social Comics, ganhando todo um novo marketing. Uma série que mostra deuses como popstars em meio aos mortais, escrita por Kieron Gillen (Fabulosos X-Men) e desenhada por Jamie McKelvie (Jovens Vingadores) e Matthew Wilson (Viúva Negra). Review sem spoilers desse primeiro arco, A Lei de Faust!
A LEI DE FAUST
A cada 90 anos, 12 divindades encarnam como seres humanos e passam a viver entre os mortais, sendo adoradas como celebridades e, depois de dois anos, morrem. Reiniciando o ciclo. Essa é a base mitológica de The Wicked + The Divine. A série começa mostrando alguns desses 12 deuses se reunindo e dizendo “adeus“, pra depois reaparecerem 90 anos mais tarde, nos anos 2010. Essa mais nova “versão” dos deuses formam o grupo Panteão, cada qual uma celebridade adorada e amada por milhares de pessoas. Algumas, como a deusa japonesa Amaterasu, é quase uma diva pop; enquanto outras, como a céltica Morrigan, prefere a fama mais underground. Assim vamos conhecendo os membros do Panteão. O interessante é que não são só deuses comuns que estamos acostumados, como Zeus, Thor e cia. Claro, alguns ainda são bem famosos, mas há outros mais incomuns. Outro ponto legal é que todo o Panteão se auto-declara como “deuses” para a mídia, possui inúmeros fãs, mas muitos ainda não acreditam nisso e pensam que são apenas mais um grupo pop querendo um minutinho de fama. Fica bem clara a intenção de Gillen em querer levantar questões da cultura pop atual. Interessante comentar que Gillen e McKelvie já trabalharam antes na mini Phonogram (2006), também da Image, que tratava sobre sexo, drogas e rock and roll.
A série se desenvolve quando a adolescente Laura, uma super fã do Panteão, conhece a Lúci(fer) após um show da Amaterasu e acaba se envolvendo numa confusão: atiradores tentam matar a galera imortal, Lúci se irrita e utiliza seus poderes em público, quebrando várias regras do grupo, entre elas a de serem “discretos” e não usar poderes em público, além de se acusada de assassinato. As coisas viram uma bola de neve quando mais mortes pesam sobre a cabeça de Lúci e sua única esperança é Laura, que tenta convencer os outros deuses de que há um assassino à solta. No decorrer conhecemos a deusa grega Ananke, uma velha que funciona como “líder” da galera, e como que ela “ressuscita” (se podemos usar esse termo) os outros deuses em corpos mortais. Vemos também a extensão dos poderes e como se comportam outros dois: o irado Baal e a felina e egípcia Sakhmet. Outros deuses vemos apenas de relance e/ou são citados, como Minerva, Odin, Baphomet, Inanna e Tara. Provavelmente terão mais destaque nos próximos arcos. Fecha o elenco principal a jornalista Cassandra, especialista em mitologia e que ajuda Laura em sua empreitada, mas com outra intenção: ela quer desmascará-los, mostrar que são farsas.
Esse começo de The Wicked + The Divine tem vários pontos um tanto questionáveis. O primeiro, claro, é a caracterização dos deuses. Lúci é uma versão andrógina e David Bowieniana de Lúcifer, bastante carismática, mas que vem com o pacote completo de personagens assim: revoltada, sexy sem ser vulgar, pega todo mundo, elegante, cigarro na boca… Amaterasu é uma hippie de cabelos vermelhos que pouco tem de “oriental”. Esse é um ponto, aliás, que o próprio Gillen ironiza, numa fala em que a compara com um cosplay. Fica evidente que todos são bem ocidentais, até porque eles renascem em Londres. E isso leva à uma comparação inevitável: Deuses Americanos e seu autor, Neil Gaiman. Há um “quê” do romance (e agora série) aqui, em trazer antigos deuses pro mundo atual. Claro que Gaiman tratou de maneira mais rústica e aqui é tudo mais clean e pop, mas o lado “família” (como grandes irmãos), também lembra outra série do autor: Sandman e seus Perpétuos. As semelhanças vão parando por aí e, na verdade, não interferem tanto na leitura. O que me chamou a atenção mesmo foi a “ocidentalização“. Talvez seja o intuito do autor criticar essa questão da imagem, tão presente nos EUA e Inglaterra, afinal quase tudo pop que consumimos vem de lá, mas fica aquele gostinho de ver os deuses como eles realmente seriam em suas determinadas culturas.
A arte de McKelvie e Wilson segue a tendência das HQs mais alternativas, num estilo limpo e bem definido, com cenas amplas e claras, com destaque para a roupagem das divindades. Todos tem um design bem interessante, principalmente o Odin que apareceu bem pouco e mais parece um personagem de TRON. Minerva como uma criança e Sakhmet como uma “mulher-gato” também foram boas mudanças, além, é claro, da Lúci Bowie. As capas também são fantásticas, sem contar alguns quadros sequenciais bem inspirados. Quanto à história, achei a leitura um tanto morna até seus momentos finais, quando realmente a coisa começa a esquentar e temos vários momentos “WOW“. Só a presença dos deuses não é suficiente nas quatro primeiras edições, se arrastando um pouco na adolescente Laura perambulando pela cidade. É na quinta onde um conflito realmente se impõe, temos uma reviravolta na história e todo o status quo do Panteão é modificado, prometendo uma nova era de deuses na Terra. Esse gancho me ganhou, foi excelente, mas algumas coisinhas ainda ficaram devendo: como a própria questão da fama, do ser popstar. Não se aprofundam nisso, ficando apenas a sensação de deuses voltando e sendo, como li num comentário, a Taylor Swift.
Fausto, pra quem não sabe, vem da história alemã onde um homem faz um pacto com o Diabo, ganhando diversas releituras em filmes e peças. E tem tudo a ver com o arco, só não sei o motivo de não terem traduzido.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.