Arcos Principais: História Especial.
Publicação Original/ Brasil: Alagoas Sequencial (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2012) e Sorte Grande (Versão Digital).
Roteiro/ Arte: Yuri D’Magalhães/ Mateo.
“Sorte Grande” é uma história curta, vencedora do Prêmio Alagoas de História em Quadrinhos 2011, publicada na coletânea especial Alagoas Sequencial, junto de outras histórias, em 2012. Esse tipo de publicação é complicado de se encontrar, já que possuem uma tiragem e distribuição menor que de outras editoras. Mas, felizmente, ela chegou recentemente à plataforma digital Social Comics, podendo ser lida mais facilmente. Trata-se de um trabalho do design/ ilustrador Kleber Lessa, que assina como “Mateo“, estreando no mercado de HQs com uma história adaptada de um roteiro para curta-metragem de Yuri D’Magalhães. Um homem acorda de um sonho misterioso e pensa em jogar na Loteria, enquanto um cheiro estranho paira em sua casa. Review sem spoiler dessa ótima HQ!
SORTE GRANDE
Calixto, um homem já de meia idade, levanta de um sonho estranho, confuso. Começa a tentar lembrá-lo, organizando-o em sua cabeça. Conforme vai acordando, pensa em jogar num desses prêmios estilo Mega Sena, já que alguns números surgiram nesse sonho. Enquanto isso, um cheiro de coisa podre começa a pairar sobre toda a residência. A história é curta, são apenas 20 páginas, mas o destaque está para toda a sua simbologia e a arte, que é fenomenal. Como escrevo a Central dos Sonhos, esse é um assunto que me interessa bastante e fiquei maravilhado em como o autor foi desdobrando as situações. Desde a abertura, dando uma pequena “explicada” em como vê os sonhos, aqueles momentos em que acordamos acreditando que tudo dará certo. Até a ilustração da capa, uma homenagem a um dos mestres do surrealismo: Salvador Dali e sua “Metamorfose de Narciso” (1937). No quadro original, uma mão segura um ovo (algo recorrente na obra do artista) e reflete um homem olhando para o lago (referente ao Narciso da mitologia). Já aqui, em Sorte Grande, a mão segura um cupom fiscal. É possível fazer diversas relações entre a obra de Dali e a HQ de Mateo. Desde o lado narcísico da coisa, nossa vontade de “ganhar na Mega”, ao reflexo que criamos de nós mesmos nessa fantasia.
E quando se fala de sonhos, interpretação é tudo. E nessa parte a história abre bastante espaço para o leitor ir viajando, mas sem deixar de ser pé no chão. Ela não é incompreensiva, como muitas obras do gênero (o que também não é ruim). Assim como Calixto, o leitor vai tentando se lembrar do sonho que acabou de ler nas primeiras páginas. Há um trabalho com simbologia muito legal, como os números do bilhete e o cachorro da capa. Pena que é muito curtinha, ficando aquele gosto de quero mais na boca. Por mais que se indica ser um “Prelúdio“, aparentemente não há continuação. A questão da fumaça e do cheiro me lembraram xxxHOLIC, que também traz essa mesma temática, porém mais místico.
A arte talvez seja o grande chamariz de Sorte Grande. Ela é muito boa e diferente do que estamos acostumados a ver. Não há diagramação por quadros definida, tudo é muito orgânico. Segue um estilo Brendan McCarthy de ser, com cenas que se sobrepõem. Há várias técnicas envolvidas, como traçado tradicional, cores chapadas, efeitos digitais, caixas de textos e balões mais estilizados. O sonho do início é uma verdadeira viagem psicodélica. Só estranhei um pouco a diferença entre elementos digitais (e mais nítidos) com os outros que parecem mais analógicos. Sorte Grande é uma ótima HQ e muito curtinha, dando pra ler numa tacada só. Há muitos detalhes interessantes pra se notar, percebendo o cuidado do autor em lidar com o tema, como a introdução, a capa e as referências dentro do miolo. Está disponível na Social Comics e, também, em sua página na internet.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.