Arcos Principais: Minissérie.
Publicação Original/ Brasil: Formerly Known As The Justice League #1-6 (DC, 2003)/ Já Fomos a Liga da Justiça #1-3 (Panini, 2004).
Roteiro/ Arte: Keith Giffen e J.M. Dematteis/ Kevin Maguire.
Em 1987 foi criada a Liga da Justiça Internacional, com uma equipe nada ortodoxa e uma temática voltada pro cômico, escrita pelo Keith Giffen (Patrulha do Destino, Legião dos Super-Heróis) e J. M. Dematteis (Moonshadow) e com os desenhos de Kevin Maguire (X-Men: Eternamente). Essa Liga ficou conhecida pelo seu lado debochado, com membros como Gladiador Dourado e Besouro Azul. Ela debandou e se expandiu nos anos 1990 (com as inúmeras “Ligas”), até que em 2003 a equipe criativa resolveu se unir mais uma vez, junto do clássico arte-finalista Joe Rubinstein (que já trabalhou bastante com Superman, Homem-Aranha), e publicaram a minissérie especial em 6 partes Já Fomos a Liga da Justiça, retomando alguns personagens da Liga Internacional e seu humor ácido, saindo no Brasil pela Panini em três edições. É uma mini um tanto obscura, difícil de encontrar até na internet, com uma leitura pesada mas com sacadas geniais. Review especial sem (muitos) spoilers!
JÁ FOMOS A LIGA DA JUSTIÇA
Sempre tive curiosidade em ler esta mini, já que ela é bem aclamada pela mídia. Então a expectativa estava lá em cima e, ao terminar de ler, fiquei com um misto de sentimentos. Não por ser uma história ruim, o que não é, mas por não ser necessariamente o que imaginava. O roteiro de Giffen e Dematteis é bastante afiado e cheio de ironia ao Universo dos super-heróis. Na história, Maxwell Lord (o empresário por trás da Liga Internacional) decide recriar seu antigo grupo, dessa vez mais próximo do “povo”, a nova equipe Superamiguinhos/ Superamigos: com a galera das antigas. Só que cada membro da Liga seguiu sua vida e, enquanto alguns se empolgam pra voltar a combater o crime, outros não tem tanta certeza se é uma boa empreitada. Assim Maxwell Lord e seu fiel escudeiro, o robô L-Ron (que é a cara do Chibi Robo da Nintendo!), vão de porta em porta e convoca: Gladiador Dourado (que casou por interesse com uma mulher bem mais velha que ele), Besouro Azul (que sofre de problema cardíaco), Fogo (que virou web-diva e tira a roupa na web-cam), Capitão Átomo (que é ridicularizado pelo seu novo uniforme), a ingênua Mary Marvel, Sue Dibny e seu marido Homem Elástico, quase aposentados e desocupados. Essa é a equipe que Lord reúne, já deu pra perceber o quanto quebrados estavam antes mesmo de começarem, né?
Os conflitos internos e os diálogos são feitos de maneira majestosa por Giffen e Dematteis, com um sarcasmo e subtexto excelentes. Destaque para o L-Ron, que rouba as cenas em que participa. Ele é uma máquina que bajula seu mestre, mas é extremamente debochado e hilário, colocando Lord e a procedência de sua equipe em situações bem questionáveis, tirando o maior sarro. Fogo também se destaca, ao ser super liberal e contrastando com a ignorância da Mary Marvel. Ou o conflito do Gladiador Dourado com o Besouro Azul, antes melhores amigos e que agora não estão dando mais certo. Interessante que tem discussões até óbvias, mas que nunca vemos em HQs de heróis, como o medo da Mary Marvel em voar próximo ao Capitão Átomo, já que ele solta radiação e ela não quer ficar estéril. Muito bom! O clima de mini é interrompido porque nas 6 edições ocorrem dois momentos distintos que mais parecem de arcos de séries. O primeiro deles é quando a equipe é abduzida por Roleta e levados à sua Casa, sendo obrigados a participar de uma luta de vida ou morte. O segundo, que finaliza a mini, é quando o Lorde Mangá Khan e seu Conclave aparece no Queens e exige a devolução de L-Ron, que pertencia a ele, dando em troca o Lanterna Verde flopado G’Nort Esplanade, utilizando como intermediário uma outra robô, a J-Lo. É muita ironia!
Os desenhos são de Kevin Maguire, conhecido por suas expressões extremamente exageradas, cheio de caras e bocas. Ele tem um modo mais “tradicional” de diagramar as páginas, utilizando pouco de quadros grandes ou sequências mais inusitadas, preferindo os muitos quadros por página. Mas seu estilo não é datado, criando sequências e feições hilárias, casando com a proposta dos roteiristas. Mas ao mesmo tempo em que se encontra uma das grandes qualidades de Já Fomos a Liga da Justiça, que é justamente em seu humor ácido, também está seu maior defeito: a leitura pesada. São 6 edições que mais parecem 15, de tanto texto. Os quadros do Maguire ficam super apertados com a quantidade de balões em cada página, sem contar o malabarismo em colocar 4, 5 ou 6 balões num único quadro, com um passando por cima do outro. Isso acaba cansando um pouco, deixando tudo muito pesado. Acabei demorando mais do que eu imaginava pra terminar toda a mini.
Já Fomos a Liga da Justiça é uma homenagem à antiga Liga Internacional, trazendo seus membros e sua equipe criativa de volta, mostrando que a DC também sabe fazer humor. Muitas das qualidades da mini se encontram em seu subtexto, com piadas e ironias sensacionais, com destaque para o robô L-Ron. Muitas delas, claro, remetem aos anos 1980 e 1990, que só quem acompanhava vai pegar, mas o leitor de primeira viagem também consegue aproveitar muitas outras. Também é interessante por apresentar um formato que viria a ser um sucesso logo depois, com a X-Factor Investigações do Peter David, seguindo a fórmula de “equipe de aluguel cômica”. O fato de aparecerem outros membros da Liga, como o Batman (numa versão bem descaracterizada), coloca toda a aventura na cronologia da DC, também. Falando em Batman, importante comentar que muitos personagens estão meio fora de sua caracterização tradicional, ou tratados de forma bem ridícula, mas pra reforçar os estereótipos que a mini tira sarro. Num momento, por exemplo, a Mulher-Maravilha comenta sobre união feminina, mas as outras heroínas não suportam ficar com ela. O que te faz rir, mas nem sempre pelos motivos certos. A representação feminina pode ser facilmente problematizada na história, mas não chega a ser um humor politicamente incorreto. Uma paródia com gosto de anos 1980, carismática, mas ainda uma leitura cansativa com momentos que poderiam ser facilmente cortados pra fluir melhor.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.