Arcos Principais: Homem Sem Medo (Man Without Fear).
Publicação Original: Man Without Fear #1-5 (Marvel, 2019).
Roteiro/ Arte: Jed Mackay/ Danilo Beyruth, Stefano Landini, Iban Coello, Paolo Villanelli.
Em 2018 chegava ao fim a controversa fase do Demolidor sob as mãos do escritor Charles Soule. Depois de 3 anos à frente da série, ele fechava seu ciclo com o arco A Morte do Demolidor, com Matt Murdock sofrendo um grave acidente envolvendo um caminhão, ficando em coma. Seria realmente o fim do nosso herói? E antes de passar o bastão para o próximo autor, Chip Zdarsky, a Marvel publicou logo em seguida a mini em 5 edições Homem Sem Medo: a Morte do Demolidor, abordando o que aconteceu em seguida e preparando terreno para o novo volume. Vale comentar que não é a primeira, nem a segunda vez que vemos esse dilema com o herói (e provavelmente não será a última), mas não tira os méritos da historia escrita por Jed Mackay. Review especial sem muitos spoilers.
HOMEM SEM MEDO: A MORTE DO DEMOLIDOR
Sempre comento por aqui, esse fetiche que a indústria dos quadrinhos possui por matar e reviver seus heróis e vilões geralmente é uma encheção de saco, com a maioria das vezes rendendo histórias que sabemos que terão pouco ou nenhum impacto mais pra frente. No caso dessa mini, Matt Murdock é atingido em cheio por um caminhão ao tentar salvar uma pessoa, ficando em coma e tendo o corpo todo arrebentado, inclusive com a possibilidade de nunca voltar a andar. É seu trauma tudo de novo: quando criança, Matt adquiriu seus sentidos super-humanos ao ser atingido por um caminhão com produtos químicos e radioativos.
O fato de usar o simbolismo do caminhão mais uma vez acaba funcionando bem dentro da trama, que explora muito do passado do herói. Cada uma das 5 edições foca em seu relacionamento com determinadas figuras de sua mitologia, enquanto precisa lidar com sua nova condição física e o psicológico abalado. Na primeira, por exemplo, enquanto ainda está inconsciente e em coma, recebe a visita do Foggy Nelson, seu melhor amigo. Enquanto no mundo real vemos o Foggy tendo praticamente um monólogo, Matt precisa lidar com duas figuras em seu próprio inconsciente: a Dor e o Medo; ambos personificados como um Demolidor à flor da pele, com os nervos expostos, e o outro como um Demolidor cadavérico, respectivamente. E a grande questão que os dois levantam é bastante pertinente, principalmente nesse momento: o quanto viver sem medo trouxe de bom pra ele? A dor da perda de pessoas queridas valeu a pena?
Entramos numa viagem pela sua mente e, consequentemente, por toda sua história: vemos os trajes coloridos, as mulheres que amou, os amigos e os inimigos que fez, as pessoas que morreram nesse percurso, seu pai… Quando ele acorda do coma e percebe sua situação, Matt acaba admitindo algo que nunca fez: admite que está com medo. E pior: que não será mais o Demolidor. Como todos que leem o Demolidor sabe, o medo é um dos pilares da mitologia do herói, não a toa sendo seu outro codinome: o Homem Sem Medo. E o roteirista Jed Mackay (da série da Gata Negra) utilizou dessa premissa para mostrar o impacto que essa decisão teria ao seu redor. O primeiro (e talvez o mais interessante) é quando o Ponto Cego, que também perdeu a visão e se inspirou no Demolidor para combater o crime, não aceita essa desistência e o chama de covarde. É uma cena bastante impactante. Em contra partida, o Matt está extremamente pra baixo e pessimista, praticamente de saco cheio de tanta coisa que aconteceu a ele.
Como leitor, um ponto bem estranho é como ele ficou todo arrebentado sendo atropelado por um caminhão. Óbvio que uma pessoa comum nem teria sobrevivido, mas estamos falando de heróis que estão apanhando constantemente: seja de porrada, tiro, rajadas psiônicas, cercado por ninjas, tendo as costelas quebradas, caindo de prédios e por aí vai. Então chega um caminhão e pronto, irá desistir. Para contornar essa situação, é dito que o caminhão foi apenas a gota d’água para uma vida de ferimentos mal curados. Não chega a convencer 100%, mas serve de justificativa. O Punho de Ferro, a Jessica Jones e o Luke Cage também visitam-no e se disponibilizam para treiná-lo, colocá-lo numa fisioterapia. Cada um à sua maneira, claro, assim como cada um possui uma opinião a respeito dessa desistência, trazendo histórias do passado para fazê-lo mudar de ideia.
Um dos momentos mais emblemáticos da mini é quando o Matt Murdock recebe a visita de ninguém mais, ninguém menos que o Prefeito da cidade: Wilson Fisk, o Rei do Crime! Esse encontro ocorre na edição #4 e, pra mim, foi a melhor das 5 edições. Colocar o Demolidor ferido, indefeso, sem sua máscara e vulnerável ao lado do Fisk, praticamente uma montanha de confiança, forte e inabalável, gerou um contraste excelente. Os arqui-inimigos cara a cara, com diálogos também ótimos. E quando pensamos que tudo irá por um caminho, a famosa retrospectiva de como ambos se conheceram, o roteiro termina de maneira totalmente inesperada. Muito bom.
Homem Sem Medo: a Morte do Demolidor se revela uma mini consistente que, apesar de se escorar em alguns clichês de histórias do gênero, como a viagem pelo passado, os principais momentos de sua carreira etc, acaba ganhando pontos por trazer um embate interessante do Demolidor contra seus demônios interiores, em particular o Medo e a Dor. E o melhor: como não pode se livrar deles, já que estarão sempre aí, qual a melhor maneira de lidar com tudo isso? Mesmo quebrado e ainda incapaz de se movimentar como antes, deixará toda essa dor impedi-lo de combater o medo que vem tomando conta da cidade? Um bom pontapé para a próxima fase da revista, escrita pelo Chip Zdarsky, que apesar de não trazer a ação e as inovações visuais que estamos acostumados a ver no Demolidor, ainda assim propõe uma boa discussão.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.