Arcos Principais: Anistia (Amnesty).
Publicação Original: Aquaman #48-57 (DC, 2020)
Roteiro/ Arte: Kelly Sue DeConnick/ Viktor Bogdanovic, Robson Rocha, Eduardo Pansica.
“Anistia” é o segundo arco escrito pela Kelly Sue DeConnick para a revista do Aquaman, após sua estréia em Águas Indizíveis. Um arco longo, tomando as edições #48-57 e que foi compilado em dois encadernados nos EUA: Anistia e Manta Vs. Máquina; responsável por retomar importantes pontos de sua mitologia, como Mera e o Arraia Negra. Review especial sem muitos spoilers!
MÃE TUBARÃO
As edições #48 e #49 funcionam como uma introdução para a história do arco em si. Intitulada Mãe Tubarão, é quase um conto sobre o pós-morte no fundo do mar. Aliás, um conto sensacional! E pra mim, foi a melhor parte das 10 edições que compõem o arco! Como descobrimos em Águas Indizíveis, Arthur não lembrava do seu passado e estava preso na ilha dos antigos deuses. Já aqui, ele acaba por tomar o “chá da verdade” a fim de descobrir e conhecer sua verdadeira história. É quando o tempo pára e ele segue em direção ao fundo mar, entrando na boca de um tubarão gigante e assustador: a Mãe Tubarão. É ela quem guarda todas as memórias daqueles que morreram no mar.
Um início espetacular, que aos poucos vai mostrando para o leitor as memórias e acontecimentos da vida do Aquaman. Além de um resumo da história da Mera e como o povo de Xebel era visto. Tudo bastante visual, já que essas lembranças são armazenadas nos corais, além de acrescentar outro elemento à mitologia do personagem. Quando peguei pra ler Aquaman, lá no início do Renascimento, esse foi um dos pontos que mais me chamou atenção: o nível de detalhamento cultural do fundo do mar, algo que eu nem imaginava. E 50 edições depois, é muito bom perceber que os autores continuam a trabalhar isso. Os desenhos são de Viktor Bogdanovic, dando um ar grotesco e ao mesmo tempo grandioso à Mãe Tubarão. Se fosse só por essas duas edições, vocês veriam as 5 estrelas no final do post!
ANISTIA
Mas como nem tudo são flores (ou corais), a partir da edição #50 retornamos ao trilho mais usual das histórias de super-heróis e ao conflito principal do arco. Ao se despedir da Mãe Tubarão, Arthur recuperou suas memórias e volta para a Baía da Anistia, tentando se localizar no tempo e vendo os acontecimentos que perdeu enquanto estava fora. Temos até a participação especial da Mulher-Maravilha. Já em Atlântida, Mera tenta se ocupar com afazeres políticos e anuncia que irá casar com Vulko, para cumprir as formalizações do cargo como rainha.
E o arco não se chama “Anistia” a toa. O assunto principal aqui é o antigo farol da Baia da Anistia: conhecemos a história do capitão Tristram Maurer, de como ele perdeu sua tripulação e ficou exilado no farol, 200 anos atrás, escrevendo histórias de terror sobre uma criatura marinha que o perseguia. Com o passar do tempo, Maurer se tornou uma espécie de lenda local, com as pessoas contando suas histórias de geração em geração. Mas a situação começa a complicar quando o antigo capitão reaparece na cidade e a criatura de seus escritos termina por não ser tão fictícia assim.
Apesar desse aspecto do arco, que nos apresenta uma das histórias que deu origem à Baía da Anistia, ser bastante interessante e até um tanto Lovecraftiana, envolvendo monstros gigantes e tentáculos, as coisas se perdem um pouco quando temos de novo, mais uma vez e novamente um ataque do Arraia Negra. Já na edição #51 temos conhecimento de como será essa nova investida, agora recebendo o apoio do Lex Luthor (como parte da iniciativa Ano do Vilão). O Arraia tem agora nada mais, nada menos, que um robô gigante. Sim, temos o Mecha Arraia. E por mais que haja alguns diálogos entre o Arraia e seu robô, explorando questões do passado do vilão e o relacionamento com seu pai, tudo acaba culminando na pancadaria nonsense. Como se um mecha, nessa altura do campeonato, já não fosse absurdo demais. E sem spoilers, mas uma das lutas finais envolvendo o Mecha e outra figura gigante, no melhor estilo Power Rangers, foi bem surreal.
Vale comentar que o Aqualad, filho do Arraia Negra, também está presente na história. Ele meio que se torna o assistente do Aquaman, querendo provar seu valor como herói. Então muito do arco é sobre o relacionamento entre pai e filho, mas que acaba perdendo força em meio a tanta parafernália. Mera também tem importância no arco, demonstrando a amplitude dos seus poderes e indo até o seu limite, mesmo estando grávida, para proteger as vidas inocentes em meio ao fogo cruzado. E por falar em gravidez, a edição #56 (penúltima do arco), narra um momento do passado, quando Mera e Aquaman estavam no início do namoro, discutindo maternidade e filhos após enfrentarem o que seria a Rainha dos Abissais.
Tanto Aquaman quanto a revista do Batman vem tendo arcos muito grandes, beirando ou ultrapassando as 10 edições. E as vezes é difícil a história manter o fôlego do início ao fim. E aqui não foi diferente. “Anistia” começa muito bem, com todo o conceito da Mãe Tubarão, que simplesmente amei. Aos poucos vamos conhecendo a história por detrás de um dos fundadores da Baía da Anistia, envolvendo monstros marinhos e poesia. Além do debate em torno da figura paterna e também a simbologia do Farol. Tudo muito bom, mas que aos poucos se transforma na velha pancadaria entre herói e vilão, com alguns momentos bem trash e caricatos. A última edição, que fecha o arco, aborda a gravidez da Mera e não poderia fechar de maneira mais brega. Um arco que vale a pena a leitura por alguns conceitos que são implantados, mas que fica arrastado lá pela metade.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.