Arcos Principais: One shot.
Publicação Original/ Brasil: Melindrosa: Folhetim Erótico Político Fantástico do Século XXI (Independente, 2015).
Roteiro/ Arte: Aline Lemos.
Melindrosa é uma espécie de fanzine erótico publicado de forma independente em 2015, um quadrinho curto, com cerca de 20 páginas, que aborda diversos temas sociais num traço delicado e bonito, com um subtítulo bastante curioso: Folhetim Erótico Político Fantástico do Século XXI. E é esse toque “fantástico” em Melindrosa que acaba chamando a atenção e fugindo um pouco dos clichês das histórias que mostram a vinda de pessoas à cidade grande e seu fascínio por tudo novo que encontra no caminho. Review especial sem spoilers!
Na história, uma jovem aparentemente foge de uma realidade difícil e viaja para uma grande metrópole. Mas logo percebe que nem tudo são flores: não tem onde ficar, nem onde dormir e as pessoas nem sempre são o que parecem. No decorrer de sua jornada, a moça tem diversos sonhos eróticos e começa a entrar em aventuras sexuais, percorrendo a cidade e conhecendo bordeis e figuras incomuns. Além de trazer todo o peso da emancipação feminina, de uma personagem mulher, aparentemente ingênua, entrar em contato com tudo isso, um dos pontos mais interessantes de Melindrosa está em sua ambientação: como o subtítulo indica, pode ser que ela ocorra no século XXI, mas todos os ambientes, roupas e expressões vieram diretamente do começo do século XX, no melhor estilo Old Hollywood, com cortes de cabelo clássicos dos filmes mudos.
A HQ também segue um formato que está em alta no mercado independente: uso de uma ou duas cores além do preto (como a impressão em duotone) e a ausência de diálogos, que pode facilitar a distribuição em outros países. A arte de Melindrosa é muito distinta, com o preto, vermelho e um tom de bege sendo as cores usadas, com diagramações curiosas e inusitadas. Apesar do clima Hollywood, a estética é extremamente art déco, o movimento artístico que teve seu apogeu na década de 1920 e explorava formas geométricas em arquiteturas arrojadas, objetos decorativos e elegantes. O que nos aproxima, também, do movimento expressionista alemão, com suas distorções e estruturas modernas. Melindrosa bebe das duas fontes, com grandes edifícios, roupas futuristas, geometrização das cenas, automóveis curiosos e seu lado mais cartoon também lembra o clássico Metrópolis de Osamu Tezuka que, por sua vez, também tinha um toque do cinema expressionista. Tudo está interligado!
Um outro ponto interessante é que a autora, Aline Lemos, abordou o erotismo de maneira bem explícita mas ao mesmo tempo delicada. Ela não choca. O aspecto nonsense, com situações absurdas, também não tira o mérito dos temas “reais” que são tratados: a opressão é um desses temas, mostrando como a cidade ao mesmo tempo nos liberta e aprisiona. E, muitas vezes, a única maneira de sair desse sistema louco é pela via mais incomum que possa imaginar. Também é bom perceber alguns detalhes que fazem toda a diferença e dão uma encorpada ao clima político, como mulheres não depiladas e personagens trans. Melindrosa foi uma das finalistas do prêmio HQMIX e está disponível para compra na internet, custando entre R$15 e R$20, e também está disponível para leitura online na Social Comics, por onde tive acesso. Uma história sobre liberdade e opressão, com um toque surreal (ou “fantástico”, como no subtítulo) que a fazem parecer uma fábula, uma crítica de um tempo diferente do nosso, mas não muito diferente nas ações, com um final bastante otimista e alegre (e louco), o que gera um pequeno contraste com o restante da narrativa.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.