[Review] Metrópolis!

Metrópolis - Osamu Tezuka NewPop Capa

Nome Original: Metropolis
Editora/Ano: NewPop, 2010 (Kodansha, 2010/ 1949)
Preço/ Páginas: R$24,90 / 168 páginas
Gênero: Alternativo/ Mangá
Roteiro/ Arte: Osamu Tezuka
Sinopse: o Dr. Lawton desenvolve uma pesquisa de células sintéticas que chama a atenção do Partido Red, comandado por Duque Red. Temendo ter a pesquisa usada de forma maligna pela organização, o doutor foge com seu humanoide, a quem chama de Michi. É quando entra em cena o detetive Higeoyaji, com a missão de proteger o humanoide. Mas, ao descobrir sua real natureza, Michi dá início a uma rebelião com todos os robôs de Metrópolis.

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Osamu Tezuka é um dos grandes nomes das HQs, tido como o “pai do mangá” e o grande responsável por popularizar os quadrinhos japoneses, criando muitos dos estilos de narrativa que seriam utilizados à exaustão mais tarde. É um daqueles artistas que criam tanto para o público infantil quanto para o adulto, caminhando por histórias fictícias quanto históricas. Produziu cerca de 600 títulos e 60 animações, formando um império. Dentre suas obras destacam-se Astro Boy (1952-68), A Princesa e o Cavaleiro (1953-56), Buda (1974-84) e Adolf (1983-85), muitos dos quais inspirados pelo imaginário das cidades norte-americanas e por Walt Disney, ganhando o apelido de o “Disney do Japão”. Essa liga entre os dois autores vão mais longe, chegando até os estúdios, como o lançamento de O Rei Leão (1994) sendo considerado um plágio de Kimba, o Leão Branco, mangá de Tezuka publicado entre 1950-54 e animado em 1965.

Metrópolis - Osamu Tezuka NewPop 1

Mas muito do que foi e é Ozamu Tezuka deu suas caras aqui em Metrópolis, mangá em volume único publicado em 1949, a partir de diversas histórias inacabadas do autor. O nome é derivado do filme homônimo e clássico de Fritz Lang (1927), considerado uma das obras-primas do cinema e que inspirou (e continua inspirando) diversas produções. Mas, por ironia do destino, Tezuka afirmava que nunca assistiu ao longa e apenas viu uma imagem numa revista, da robô Maria, mas que foi suficiente para despertar a história de Metrópolis e seu desejo por retratar o conflito entre máquinas e homens.

Na trama, Dr. Lawton está desenvolvendo uma pesquisa com células sintéticas e é sequestrado por Duque Red, do Partido Red, forçado a produzir um “ser artificial” que servirá aos propósitos malignos do Partido. Com medo, Lawton explode o lugar e encena a morte do robô, escondendo-o. Mais tarde, lhe dá o nome de Michi e tenta tratá-lo como uma criança normal. Mas os planos vão mal quando Red descobre a farsa, Michi foge e o detetive Higeoyaji fica responsável pra resolver o assunto. Em paralelo, manchas negras tomam conta do Sol, causando mutações em alguns animais.

Metrópolis - Osamu Tezuka NewPop 2

A história é simples, mas seu diferencial está em fugir de alguns clichês do gênero, conseguindo surpreender o leitor. Começando pelo fato do próprio criador de Michi saber o que um robô senciente pode causa na sociedade, saindo das criações acidentais. Outro ponto interessante é que Michi não possui sexo definido, podendo transitar em o feminino e o masculino a partir de um botão em sua garganta. Durante o mangá Michi é perseguido, tenta lidar com sua natureza artificial, a busca pelo “pai” e o clímax, onde as máquinas criadas pelo Partido Red decidem parar de trabalhar e invadem a cidade.

A subtrama e a metalinguagem são muito boas, com diversas referências, das mais óbvias à alguns palpites. A influência de Disney sobre Tezuka fica evidente ao aparecer ratos gigantes, denominados Mikimaus Waltdisneus. O romance Os Miseráveis também influenciou nas cenas de Emmy, a menina pobre. Michi é tido como um “super-homem” com habilidades especiais e protagoniza alguns momentos que lembram diretamente Superman, como voar e levantar carros. Vale lembrar que a cidade de Clark Kent também se chama Metrópolis. Outro ponto que me chamou a atenção, logo no começo, é que Duque Red pede que Lawton crie um ser superficial a partir de uma estátua de mármore, a fictícia “O Anjo de Roma”, obra prima por ter o rosto mais belo do mundo.

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“Metrópolis” é um mangá pós-Segunda Guerra Mundial e é sabido que Hitler tinha uma paixão especial pela cultura grega, principalmente pelo ideal de beleza. Duque Red, assim como o ditador, parte de uma escultura clássica para a criação do ser perfeito. Numa cena emblemática, Michi dá de cara com a estátua e diz “esse é meu rosto“.

A arte em Metrópolis é bastante característica do que conhecemos de Tezuka, mesmo aqueles que nunca leram algo do autor vão se sentir familiarizados, principalmente por Astro Boy (que é um ícone). A diagramação traz alguns truques, hoje comuns, mas se pensando na época, dão um gostinho a mais, como o momento em que um quadro se divide em dois para separar os prisioneiros. As personagens possuem os olhos grandes e traços arredondados, muito inspirado em Disney e que mais tarde apareceriam por aqui através de Maurício de Sousa.

Importante comentar que algumas características de Metrópolis não envelheceram bem. Os diálogos muitas vezes reforçam o que já estamos vendo, são forçados ou há um excesso de pensamentos. Quem já leu quadrinhos de heróis das décadas de 1940 à 1960 sabe do que estou falando, esse exagero de falas ou recordatórios que trabalham com o óbvio. Há também alguns cortes abruptos de narrativa e chega a ser engraçado como não há “tato” pra falar de tragédia, do tipo “então, seu pai morreu, mas amanhã você já pode ir pra escola com seu novo amigo“, as mortes são até pesadas e contrastam com o clima infantil do todo, surpreendendo o leitor. Ah, esse leitor precisa ler com a mente aberta e preparado para o nonsense, do tipo “de onde surgiu essa faca (e essa agulha e essa linha?)”.

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Metrópolis faz uma crítica ao ser humano e sua inclinação à auto-destruição, com diversas passagens inspiradoras. Numa delas, uma personagem diz que Michi virou um monstro, completando “será que o coração artificial dele ganhou vida?“. Já fica evidente, também, o quanto a cultura norte-americana influenciou Tezuka, a ideia de trabalhar com a dualidade homem/ mulher no mesmo protagonista e seu gosto pelas máquinas, como é possível ver em seus títulos posteriores Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro.

Essa edição da NewPop possui um ótimo acabamento com capa cartão e duas orelhas, mini bio do autor, um posfácio escrito pelo próprio Tezuka (só falharam em não colocar a data) e uma nota muito interessante da Tezuka Production, alertando o leitor sobre a prática de estereotipar os negros, índios e outros povos, que foi comum nessa época e que pode surgir nessas obras.

Em 2001 o mangá foi adaptado para o aclamado longa animado “Metrópolis”, com mais referências à obra de Fritz Lang mas com os conceitos gerais de Tezuka, produzido pela MadHouse e com roteiro do criador de Akira, Katsuhiro Otomo. Mais uma curiosidade: o longa original também inspirou outra HQ, mais contemporânea, a excelente Super-Homem: Metrópolis.

nota 8,0 u

*Numa das últimas cenas, Michi e um exército de robôs descem de um navio e migram para a cidade caminhando embaixo d’água. Em Piratas do Caribe, há uma momento quase idêntico, onde as caveiras fazem o mesmo.

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Um comentário

  1. Tenho este mangá e nunca o li! Porém, o anime tem muito mais a ver com Blade Runner do que com Metropolis!

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