[Especial] Coleção Moebius Vol. 1: Arzach!

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach Destaque

Arcos Principais: Diversas histórias curtas.
Publicação Original/ Brasil: Arzach (Les Humanoides Associés, 1975-76) / Coleção Moebius Vol. 1 – Arzach (Nemo, 2011).
Roteiro/ Arte: Jean Giraud “Moebius”.

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach 2

Em 2011 a editora Nemo começou a publicar a Coleção Moebius, que foi finalizada em 2013 com 8 edições em formato (e valor) de luxo. Jean Giraud, o “Moebius“, foi (infelizmente faleceu em 2012) um dos maiores quadrinistas da Europa,  tendo criado junto de outros três amigos a revista francesa Métal Hurlant em 1974, onde publicaram diversas histórias de ficção científica e fantasia por nomes super consagrados como Enki Bilal (A Trilogia Nikopol) e Guido Crepax (Valentina), influenciando toda uma geração e ganhando, ainda na década de 1970, uma versão americana: a Heavy Metal! Que no início traduziu as histórias francesas mas que logo passaram a produzir originais, também. Apesar de, no começo dos anos 1990, a editora Globo ter feito a pequena “Os Mundos Fantásticos de Moebius“, até pouco tempo atrás não tínhamos muitas publicações brasileiras envolvendo nomes da Métal Hurlant. Enki Bilal, por exemplo, só veio ganhar destaque (e quatro encadernados) a partir de 2011. O grande clássico da Heavy Metal e de Stefano Tamburini, Ranxerox, só saiu em encadernado em 2010. Mas aos poucos vamos quitando essas dívidas e a própria editora Nemo vem lançando diversos materiais do Moebius. E o melhor de tudo, os 8 títulos desta Coleção estão disponíveis na Social Comics (que venho experimentando, como falei no especial de Carnaval de Meus Demônios) e esse é o review especial, sem spoilers, do volume 1: a estranha Arzach!

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach 4

Interessante comentar que este não é um quadrinho pra todo mundo. Não que Moebius seja um daqueles autores que incluem um milhão de referências que o leitor comum não vai pegar ou que Arzach, que nunca tinha saído no Brasil, seja uma daquelas histórias pra inteligentinhos. Não. Arzach só é estranha: começa com duas histórias curtas e em preto e branco, com textos; seguidas por 4 histórias principais, também curtas, mas praticamente mudas e em cores. Um universo retrô-futurista com tecnologias diferentes convivendo com gigantes e dinossauros é o pano de fundo das narrativas. Arzach é o último dos “pteroguerreiros“, sobrevoando e enfrentando conflitos deste mundo em seu pterodáctilo. É Moebius em sua essência: imagens que precisam ser “lidas” com atenção e mente aberta por parte do leitor, adentrando nas ideias do autor, precisando preencher diversas lacunas e elaborar, por si só, muito dos “porquês” entre as páginas. Por que Arzach sobrevoa este mundo, o que ele faz, é seu trabalho, sua função, é mocinho ou vilão, quem são as outras personagens, o que fazem os gigantes, quem são os “humanos verdes”? Essas são só algumas das questões que podemos fazer ao ler Arzach. Por isso não é pra todo mundo.

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach 1

A história que abre o título é “O Desvio“, em preto e branco e com muitos textos. Uma família decide desviar do caminho tradicional e são pegos por um gigante humanóide e, em seguida, atacados por uma legião de civis (?) deste mundo. É quase uma metalinguagem, como se o pai desta família fosse o próprio autor, aquela famosa história dentro da história. Com o traço impecável de Moebius, principalmente no sombreamento e rachuras características pra dar profundidade e volume. As 4 histórias principais desenvolvem melhor este universo e apresenta Arzach fazendo várias coisas, desde enganando um gigante, procurando por uma mulher ou entrando numa pirâmide/ base de trabalho em meio ao deserto e monitorando (ou recriando?) as coisas. O final tem aquele ar de “vamos explicar as coisas”, mas acaba mais complicando que explicando, mas ainda expandindo os conceitos, como o material dos pterodáctilos e artefatos misteriosos desse lugar. Um dos maiores trabalhos do leitor será encontrar um fio de lógica nisso tudo, se é que ele existe.

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach 3

Chega a ser engraçado que a história que abre o título é repleta de textos, com balões enormes, enquanto logo em seguida Moebius é tão silencioso. A arte, claro, é um esplendor. E algo que me chamou a atenção é que não há pudores em mostrar personagens sem roupa, com as genitais pra fora. A gente fica tão acostumado aos modelos Marvel/ DC (com aqueles “pacotes”), que chega a estranhar quando o negócio ta ali balançando, existindo! E estamos falando de um material de 40 anos de idade! Muitas sequências são cômicas e a cor, algo que os europeus arrebentam, é fantástica. Tudo muito nítido e colorido. Apesar de todo mundo pensar que as esculturas gregas eram brancas (pelo que sobrou), na verdade elas eram super coloridas. E se pesquisarem, verão que elas lembram muito a paleta de Moebius. Ele realmente era um artista à frente de seu tempo, que influenciaria toda uma geração e assinaria o design de filmes como O Quinto Elemento, O Segredo do Abismo e os Tron e Alien originais, marcando o imaginário de muita gente.

Coleção Moebius Vol. 1 - Arzach 5

Apesar de tudo que viria depois, o álbum “Arzach” é difícil de analisar. A introdução, feita pelo próprio autor, nos conta um pouco de seu processo criativo, muito influenciado por Sigmundo Freud (que adoro). Ele cita os chapéus cilíndricos que surgem inconscientemente em seu trabalho (e é sua marca registrada) e que possuem conotações fálicas (conceito tipicamente freudiano), além de ir criando sem se preocupar com a sequência, se poderá fazer ou não sentido, ideia que podemos chamar de “automatismo“, que os surrealistas utilizaram bastante lá na década de 1920, a técnica (a grosso modo) de “só fazer”, no fluxo de consciência. Que foi, por sua vez, também influencia pelo Freud. Ou seja, a história pode ser lida em diversas camadas, podendo associar os círculos, triângulos, quadrados e cilindros que surgem aos conceitos freudianos. O próprio Moebius, ainda nessa introdução, fala como estava triste e negativo na época, onde as páginas de Arzach surgiram diretamente de seu inconsciente. Logo me empolguei, já que o sonho é minha principal fonte criativa. Mas… não sei bem o que sentir após terminar a leitura. Muitos pontos saltam aos olhos e são realmente interessantíssimos, como quando engana o gigante vermelho. Mas outros não me encantaram, por serem vagos de mais. A versão da Social Comics, que li, mantém a beleza da arte de Jean Giraud e se torna muito convidativa, já que cada um dos títulos dessa coleção custa em média R$50, que não é caro pelo formato (capa dura, maior e miolo couchê), mas pouco convidativo pelo número baixo de páginas (cerca de 60).

O Troféu HQMix, considerado o “Oscar” dos quadrinhos nacionais, premiou esta edição na categoria “Publicação de Clássico“, onde concorria com títulos como Fantasma, Cripta e Gen, Pés Descalços.

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