Arcos Principais: Deusa do Trovão (Goddess of Thunder) e Quem Segura o Martelo? (Who Holds the Hammer?).
Publicação Original/ Brasil: Thor #1-8 (Marvel, 2014)/ Novíssimos Vingadores #1-5 e #7-9 (2016).
Roteiro/ Arte: Jason Aaron/ Russell Dauterman.
Nos últimos anos a Marvel vem reformulando seu Universo através de diversas mega-sagas que acabam zerando a numeração de suas séries, no intuito de chamar a atenção de novos leitores. Uma ótima estratégia a curto prazo, mas que vem irritando muitos dos fãs da Casa das Ideias. Muitos títulos, por exemplo, não ultrapassam as 12 edições. A Marvel também está de olho na diversidade, algo que sempre ficou em segundo, terceiro plano nos quadrinhos do mainstream: a maior participação e protagonização de personagens negros, mulheres e LGBTs. Assim, em 2014, temos o lançamento da fase “All-New Marvel NOW!” (Totalmente Nova Marvel), que zerou muitos títulos e ganhou séries novas e polêmicas, como a Ms. Marvel protagonizada pela muçulmana Kamala Khan e o quarto volume de Thor, protagonizado também por uma mulher.
A Totalmente Nova Marvel durou pouco mais de um ano, quando culminou no mega-evento Guerras Secretas e acabou de ser publicada aqui no Brasil. Mais uma vez o evento levou a um novo relançamento de sua linha, com a Totalmente Nova e Totalmente Diferente Marvel em 2015 (ainda inédita por aqui) que vem sendo publicada e possui ótimos títulos (como O Visão). Mas vamos ao que interessa: esta série do Thor durou apenas 8 edições e deixou o mundo do Filho de Odin de cabeça pra baixo, além de ter mexido com a base de fãs do personagem como nunca antes. Afinal de contas, uma mulher jamais poderia substituir o másculo Thor, não é?
Esse foi o tipo de pensamento que mais surgiu nas redes sociais e fóruns sobre HQs. Muitos ainda criticam, por mais plausível que o enredo seja, a decisão da Marvel em dar mais atenção à essas personagens. Expondo um cenário bastante preconceituoso dentre os fãs mais conservadores, algo que vem melhorando, felizmente! Mas que atrai atenção aos títulos primeiro pela polêmica, depois por sua qualidade. Algo que afetou este pequeno volume de “Thor”.
Na história, o Thor Odinson perde o direito de segurar o martelo Mjolnir, estando “indigno” após ouvir um sussurro de Nick Fury tempos antes. Desde então, ele passa dias na Zona Azul da Lua tentando erguer a arma, sem sucesso. Toda Asgardia comparece, com os cidadãos tentando levantar, também. Ele passa por uma humilhação, claro. Sem o martelo, ele perde seus poderes. Pra piorar, Odin está voltando de seu exílio e quer retomar o controle do reino, que fora comandado por sua esposa Freya. A partir deste começo vemos o rumo que o roteirista Jason Aaron (Escalpo) quer para a série, abordando a diferença política entre homens e mulheres.
Odin não aceita que o filho tenha perdido o direito ao martelo. Também não aceita que sua mulher comandou a cidade em sua ausência, talvez melhor do que ele própria teria. A própria Lady Freya sente colocada em escanteio simplesmente por ser mulher, por mais que seja a Mãe-de-Todos. Essas diferenças vão ficando cada vez mais evidentes. As coisas pioram quando uma misteriosa mulher consegue erguer o Mjolnir e se transforma na nova Thor.
O próprio Jason Aaron desde o início afirmava que não se tratava de uma Lady Thor, Thora ou Thorita, ela é simplesmente A Thor. Passamos a entender “Thor” como um papel, sempre necessário ao mundo, assim como as Tropas dos Lanternas na DC. E o fato de ser uma mulher leva a substituição a outro patamar e discussões, o que é ótimo. Nessas 8 edições que compõem o volume, a história principal gira em torno da Corporação Roxxon, comandada pelo ambicioso Minotauro Dario Agger que está prestes a fazer um pacto com o Elfo Negro Malekith, colocando em jogo diversas terras mágicas. A moeda de troca é o crânio do falecido Rei dos Gigantes de Gelo (o pai de Loki). Ao mesmo tempo em que Odin quer descobrir a todo custo quem é a “nova Thor”, em como ela ousa fazer isso. Ele até envia o Destruidor para atacá-la, a maior arma de Asgardia.
Já a Thor está dividida em sua nova função, aprendendo a lidar com os poderes ao mesmo tempo em que precisa da aceitação do Filho de Odin. Apesar de ser a nova protagonista, podemos dizer que ela aparece menos do que deveria. Em parte porque o leitor também não conhece sua verdadeira identidade, e em outra porque um dos focos desse volume está em Odinson descobrir essa identidade. Ele inclusive faz uma lista para eliminar suspeitas, dentre elas sua própria mãe Freya e a ex-namorada Lady Sif. Ele também passa a empunhar um machado como nova arma.
Há alguns destaques como o momento em que Lady Freya reúne um esquadrão feminino para enfrentar o Destruidor, colocando o Girl Power lá em cima! A Mãe-de-Todos é uma das surpresas, sendo até mais interessante e com um drama melhor palpável que a própria Thor. Conhecida por sua astúcia, a Rainha precisa aturar um marido machista, a derrota de seu filho e a disputa de poder por Asgardia. Sem dúvidas é um dos pontos altos na trama. Outros pontos acho que deixaram a desejar, principalmente no desenvolvimento da protagonista: ela está perdida na maior parte do tempo e ainda não há uma real motivação por detrás do martelo. Numa luta contra a Titânia, a vilã simplesmente entrega os panos porque quer pagar pra ver uma mulher no papel de Thor. Hã? Uma sororidade bastante forçada.
A arte é de Russell Dauterman (Supurbia), sendo seu primeiro grande trabalho na Marvel e no mainstream. Possui um traço bonito e bastante charmoso, as personagens são lindas. Até mesmo Malekith é um elfo charmoso! Só fiquei um pouco perdido nas cenas de ação contra os Gigantes de Gelo, há momentos que não dá pra entender o que está havendo. A cena final, quando finalmente descobrimos a identidade secreta, o desenhista conseguiu demonstrar tanto a fragilidade quanto a força da personagem. “Thor” durou apenas 8 edições e saiu por aqui no mix Novíssimos Vingadores da Panini. Felizmente, a Marvel continuou acreditando na personagem e criou a nova mensal Poderosa Thor, que vem sendo publicada desde o início de 2016. Junto da Ms. Marvel e da Capitã Marvel, é uma das maiores apostas femininas nas HQs de hoje, colocando a figura da mulher à frente de grandes títulos e as apresentando ao grande público. Apesar de alguns tropeços, o saldo final acaba positivo nesta origem da nova Deusa do Trovão.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.