A colagem é uma técnica pouco difundida entre os meios acadêmicos, por vezes até marginalizada. Comum nas escolas, devido o baixo custo dos materiais, evoluiu com um certo estigma de arte escolar. Nos últimos tempos, felizmente, vem ganhando mais espaço e credibilidade. Prova disso são livros, tanto técnicos quanto de galerias, sobre o assunto. Para citar alguns, temos Cut & Paste: 21st Century Collage, reunindo 40 colagistas ao redor do globo (com dois brasileiros, inclusive) e The Collage Workbook, que explica todos os pormenores da técnica, entre muitos outros. Super indico ambos.
Venho praticando a colagem há algum tempo, experimentando tanto manual quanto digitalmente e cheguei num meio termo legal para trabalhar, que é o processo manual com finalização digital. Existem inúmeros estilos de colagem, dos mais abstratos aos mais figurativos, passando pelos exagerados aos mais suaves, do elegante ao grotesco e por aí vai. Quem deseja experimentar a técnica vai sentir-se num mar de possibilidades. As vezes me perguntam como faço as minhas, então decidi falar um pouco sobre o processo de colagem 2D finalizada digitalmente a partir deste post, e espero poder ajudar quem tem interesse a encontrar seu caminho ^^.
Pra ilustrar melhor, peguei o processo de O Tráfico de Pandora e Sabotagem (do primeiro episódio de Despertar), onde uso os conceitos básicos de recortes, composição, interferência, acabamento. Não é o intuito deste post dizer o que pode ou não fazer, ou o que é certo ou errado em relação a colagem. É apenas um jeito de se fazer.
1. Os Materiais
O básico: tesoura, estilete, régua, cola e fita crepe/ dupla face/ durex. Revistas ou jornais. Um suporte.
Caso sua colagem seja inteiramente manual, o ideal é criá-la sobre uma placa de MDF ou um papel de gramatura alta (para absorver melhor a cola), como o famoso Canson para desenho.
Caso o produto final seja digital (como deste tutorial) o suporte pode ser uma simples sulfite ou papel cartão. Recomendo o uso de fita crepe para “colar”, pois assim dá pra remanejar os recortes sem grandes problemas, ao invés da cola. Esse é um grande barato da colagem. Caso seja toda manual, muitas vezes não há um caminho de volta. Colou, colou! Já com acabamento digital há mais chances de modificar.
Separado o material, bora pro segundo passo!
2. A Ideia
Um ponto importante. Que mensagem você quer passar, que figura quer construir, onde quer chegar. Sempre que começo uma colagem tenho algo em mente, nem que seja o conceito inicial, e é isso que guiará os próximos passos. Neste exemplo, queria criar duas colagens que mantivessem pontos em comum (pois são do mesmo episódio): a primeira para a música Sabotagem, sendo menor e mais concisa; e a segunda, maior e capa do conto.
É interessante comentar que a colagem é algo bem versátil, porém trabalhada (essencialmente) em cima de recortes e figuras já estabelecidas. Então nem sempre uma ideia passa 100% pro projeto, muitas vezes será preciso adaptar, encontrar outras soluções, já que poderá faltar algum recorte específico, seja na imagem ou no tamanho.
A ideia: mostrar a droga Pandora, que é um líquido colorido, em contraste com temas do episódio O Tráfico de Pandora (a sabotagem/ traição, as Camadas Oníricas, a Espiral…).
Ideia pensada, bora pro terceiro passo!
3. Os Recortes
A parte legal da colagem, momento de vasculhar nas revistas, livros ou jornais por figuras que ache interessante e que poderá ser incluso na composição. É uma verdadeira viagem, dependendo da publicação. Em vários momentos encontrará uma figura super interessante mas que não cabe em sua ideia. O melhor a se fazer é recortar mesmo assim e guardar para uma outra oportunidade. Eu costumo utilizar saquinhos pra separar esses recortes não usados, como na imagem. Organizo por tema: um saquinho com pessoas, outro com paisagens, outro com objetos e por aí vai.
Com o passar do tempo você pega gosto por alguma revista em particular. Eu, por exemplo, adoro e sempre uso a Revista Geográfica Universal, uma versão da National Geographic, que tem ótimas fotografias, principalmente regionais, e é barata (no sebo custa R$2 cada) e também as de moda dos anos 90, que costumam ser enormes, trazendo várias fotografias de roupas interessantes, e são igualmente baratas (cerca de R$5).
Folheando a revista, separe aquilo que te interessa para a composição e comece a recortar todas as figuras. Por sorte, numa edição da Revista Geográfica Universal tinha uma matéria especial sobre frascos de remédio, que encaixou perfeitamente com a Pandora.
Tudo recortado, bora pro quarto passo!
4. A Composição
Hora de começar a testar combinações, qual figura funciona com outra, quais não funcionam. Durante o processo de recorte você já pensou em algumas composições, que podem ficar boas ou não. É nesse momento, também, que descartamos algumas figuras (mas guardamos o recorte mesmo assim, para uma outra ocasião) e que voltamos para as revistas, procurando algo que está faltando.
A colagem é como um quebra-cabeça, precisa ir testando qual peça combina com a outra. Só que, neste caso, não tem a imagem da caixinha pra ajudar, tudo é feito na intuição. Lembrando sempre da ideia do início, se o resultado será algo mais abstrato ou figurativo, clean ou carregado. Eu tenho o costume de sobrecarregar a composição, pra depois ir excluindo partes.
O fundo também é um fator importante. Será feito de colagem ou ficará em branco? Recomendo o uso de peças grandes ao fundo, como construções e paisagens, pois ocupam um espaço razoável e evita ter que juntar muita coisa. Mas, mais uma vez, depende da ideia original. Neste exemplo trabalhei apenas na construção da figura e o fundo será preto, pra dar maior destaque.
Caso a colagem seja manual, recomendo montar toda a composição primeiro e por último, quando tiver certeza do resultado, que comece a colar. Pois – como disse – colou, colou! Como estamos fazendo uma digital, a dica é usar a fita crepe para juntar as partes. Como o papel de revista geralmente é liso, é mais fácil de desgrudar e movimentar as peças.
5. Interferências
Coisas interessantes de acrescentar à colagem, que apelidei de interferência, são botões, papeis diferenciados (como de presente), linhas ou fitas, até mesmo costurar alguma parte dá um aspecto diferenciado. Desenhar sobre um texto e em seguida recortar, também é legal.
Neste exemplo, gostaria de acrescentar algo saindo da cabeça do comandante e optei por recortar estas tiras. Como não gosto de mostrar os rostos, coloquei uma espiral em sua cabeça. Sabotagem está quase finalizada, mantendo a ideia original de ser menor e concisa. Hora de colocar sobre o suporte preto e escanear.
Já o Tráfego de Pandora está um pouco mais complicado, não gostei dos resultados e talvez a ideia de colocar o título na composição não irá funcionar. Caso isso ocorra, não tem jeito, vai ter que abandonar alguns recortes e procurar outros. Decidi trocar a figura oriental, excluir os frascos menores e tentar um aspecto de castelo/ entidade nas nuvens (pelo menos na minha cabeça!).
Depois de chegar na composição ideal, só escanear e passar pro próximo passo!
6. Acabamento Digital
Se a colagem ficará manual, recomendo cobrir o trabalho com contact (pra evitar que descole ao ser manuseada) ou que passe um verniz sobre ela, principalmente se for num suporte de MDF.
Depois de escaneada, é hora de dar os ajustes básicos como recortar as laterais, ajustar o tamanho, recalibrar as cores. Divido essa fase em duas partes: limpeza e filtro. Na limpeza, além dos ajustes iniciais, eu concerto o fundo. Só abrir em algum editor de imagem (recomendo o Gimp, que é uma alternativa gratuita ao photoshop) e, com a ferramenta de preenchimento e pincel, ir ajustando. A ferramenta desfocar também é uma boa, principalmente pra passar ao redor de cada recorte, deixando mais suave. Não tenha medo de fazer edições mais pesadas, como recortar partes que não funcionam.
No caso de sabotagem, achei melhor tirar uma das tiras e arredondar as demais. Já no Tráfico de Pandora, recortei o busto da mulher para deixar a figura mais independente. Nas imagens, é possível ver as diferenças entre a colagem original e depois de limpada.
Na próxima parte aplico um filtro, pra dar o efeito desejado e deixar a composição mais bonita e homogênea. Recomendo o site Pixlr, tem inúmeras opções, e fica de acordo com sua ideia inicial qual aplicar ou não. Resultado final:
Como comentei, esse é apenas um caminho pra criar uma colagem, pelo qual me adaptei melhor e venho experimentando bastante, mas cada um cria sua própria identidade, as possibilidades são ilimitadas. Outros exemplos de trabalhos no mesmo processo:
Edit 01/01/2020: desde 2018 que eu venho diminuindo a produção de colagens e experimentando mais a ilustração digital. Confira meu Instagram @Central.dos.Sonhos para conferir os novos trabalhos. E assine minha Newsletter para receber quinzenalmente dicas de arte e meditação!
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.
Muito bom! tenho uma dúvida… Se eu já tiver a ideia pronta e precisa de um recorte específico e não achar, posso mandar imprimir em uma gráfica em que tipo de papel? Seria para colagem em canvas mesmo
Oi, Larissa! Nesse caso, o ideal é imprimir num papel mais liso como o couche, por ser mais semelhante ao das revistas e menos poroso. (Desculpa a demora!).