Além do título, fica claro a homenagem e inspiração de Willingham no livro A Revolução dos Bichos, publicado em 1945 por George Orwell (mesmo escritor de “1984”). Os líderes da revolução também são porcos (neste caso, os Três Porquinhos) e criticam a opressão das demais fábulas (assim como o descaso) pelos residentes da Fazenda. Elas são obrigadas a permanecer neste lugar por não possuir aparência humana ou não conseguir se disfarçar entre os “mundanos”. E aqui fica um dos trunfos deste segundo volume de Fábulas: de que lado o leitor ficará?
Rosa Vermelha, esperta do jeito que é, se uni aos porcos enquanto Branca foge com o raposo Reynard. Destaque para o realismo das cenas: há mortes, violência, linguajar de todos os tipos e por aí vai. Ninguém está seguro, inclusive a protagonista. Os “porquinhos”, verdadeiros comunistas com ar de mafiosos, recebem o apoio da revolucionária de sangue frio Cachinhos Dourados (casada com Bebê Urso); essa versão dela ficou excelente. Ainda temos Baba Yaga, Coelho Branco, Baguera, Shere Khan e Gato de Botas ao lado de Cícero, Prático e Heitor.
Assim como no primeiro volume, tudo é solucionado e o final fica bastante redondo. A relação de Branca e Rosa, que nunca foi das melhores, parece chegar à um final feliz (ou pelo menos irão se igualar). Além de conhecermos melhor a Fazenda, também entendemos sobre a “imortalidade” das fábulas que podem, sim, acabar morrendo (com dificuldade, em caso de contos famosos). Com tantas referências, fica faltando algumas notas por parte da Panini, já que alguns personagens são difíceis de sacar de onde vieram.
O acabamento continua ótimo, apesar de simples: capa cartão e miolo LWC, além das capas originais e vários esboços de James Jean (o capista) e Mark Buckingham (o desenhista), além do próprio Bill Willingham, que também desenha. A primeira edição foi ótima por apresentar as fábulas de sempre em situações inesperadas, mas fugindo do convencional. Essa edição consegue ser melhor e mostrar para onde a série pode caminhar, além de suas principais características. Terminando com a dúvida do leitor que comentei no início, fiquei do lado das fábulas da Fazenda o tempo todo e, mesmo com Branca de Neve tentando acalmar a situação, a decisão de isolá-los é bastante questionável. Afinal de contas, obrigar três gigantes a dormirem pela eternidade, mesmo contra sua vontade, não é totalitarismo demais das fábulas da cidade?
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.