Kama Sutra foi lançado, originalmente, em 1997 e apareceu por aqui em 1998 pela editora L&PM. Com o passar do tempo o título foi se tornando cada vez mais raro e encontrado por preços abusivos. Já pelos anos 2000 a Conrad começa a publicar os álbuns de Manara e, em 2010, o relança em capa dura e miolo couchê pelo custo de R$44,90. Além do ótimo acabamento, a editora poderia ter incluído uns extras.
Parvati, a protagonista, dirige tranquilamente sua motocicleta quando um par de homens lhe assediam e, perdendo a concentração, acaba batendo em um motoboy, que deixa cair um pacote e dá o fora. A loira, sem escolha, acaba levando o pacote pra casa e resolve abri-lo. Para sua surpresa, há um estranho cinto em forma de pênis dentro que, no decorrer da trama, descobrimos que possui a alma do saxofonista Shiva, ídolo de Parvati. Lulu e seu primo nerd são chamados para verem o estranho cinto, mas o verdadeiro dono do dito cujo aparece e começa uma perseguição pela dupla de garotas. Para se livrarem da confusão elas terão que realizar 4 provas à mando da deusa Kali.
História não é o ponto forte de Kama Sutra, pois ocorre bem rápida e é um tanto quanto simplória, não havendo profundidade nem explicações para o que ocorre, com Parvati correndo pelada na maior parte do tempo e pelas situações atropeladas. Por envolver mitologia hindu, um pouco sobre o tema seria bem vindo, também. Dentre as passagens de Parvati e Lulu temos as cenas de sexo mais bizarras (e criativas) que se possa imaginar, chegando a ser cômico, algo bem “Manara”. Destaque para a parte com a travesti e do balanço, incríveis.
Se Kama Sutra não investe no roteiro, o mesmo não se pode dizer da arte, sempre ótima, de Milo Manara. De início já podemos perceber algumas jogadas visuais do artista, como definir bem os traços dos personagens e deixar o fundo mais embaçado e, quando quer mostra-lo, cria detalhes e panorâmicas lindas. Toda a sensualidade de suas “heroínas” está presente, de maneira explícita, e o autor não tem medo de “falar” sobre tabus nas cenas de sexo, desde sadismo à masoquismo. As páginas “vermelhas”, com as posições do Kama Sutra, divididas em 16 quadros são excelentes, com uma movimentação e leveza incríveis; podemos até imaginar os gemidos e outros sons do casal, mesmo sem possuir balões.
Mesmo assim, Manara não explora outras cenas, abusando de grandes quadros pelas páginas, evitando muitos detalhes e deixando a trama muito rasa (como nas provas). Se comparado à outras de suas obras ou com sua arte na série Bórgia, Kama Sutra parece bem simples.
Como de costume, o acabamento da Conrad para edições de luxo é ótimo, em capa dura e miolo couché, mas pelo alto preço espera-se a inclusão de alguns extras, como esboços ou comentários sobre o próprio Kama Sutra original ou da mitologia hindu, ainda mais por se tratar de uma republicação. No mais, é uma leitura rápida e agradável, com algumas surpresas no caminho, mas que não figura entre os melhores trabalhos do autor.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.