Matrix é uma das poucas séries que consegue ser multimídia E boa ao mesmo tempo. Os filmes, todo mundo já conhece e já tem uma ideia do que se trata. Estamos num futuro onde as máquinas dominaram tudo e possuem “consciência” própria. Elas escravizaram a raça humana e prenderam a todos em casulos, desde o nascimento à sua morte, utilizando de sua energia para alimentar as máquinas. Para manter a mente das pessoas encapsuladas “ocupadas”, elas criaram a “Matrix”, um sistema que simula a realidade, implantado nos humanos, para que pensam que estão, realmente, no mundo real. Poucas pessoas conseguem “fugir” da Matrix, através de bugs do sistema. E a história só complica mais daqui pra frente hehe.
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Eu simplesmente adoro Matrix, desde o roteiro ao visual arrojado. Teorias de “realidade paralela” existem aos montes, nos diversos formatos, mas Matrix conseguiu se sobressair em vários aspectos e nos fascinar, só o fato de não podermos distinguir se estamos num mundo real, ou sonhando ou até mesmo na Matrix, já que a realidade é formada pelos nossos sentidos, como aquilo que vimos, sentimos ou cheiramos. E tudo isso é relativo, experimente olhar uma determinada situação de diversas maneiras, verá que tudo não passa daquilo que achamos ou acreditamos ser real.
Matrix é multimídia porque nasceu numa trilogia de filmes, os excelentes Matrix, Matrix Reload e Matrix Revolution, criado pelos irmãos Wachowski. O “furo” entre o segundo e o terceiro filme é contado no game Enter The Matrix e outras facetas do universo fictício também foi mostrado na coletânea de animações Animatrix. Para aumentar ainda mais o leque multimídia, os conceitos de Matrix foram utilizados para a criação de diversas histórias curtas e reunidas na coletânea The Matrix Comics Vol. 1 e Vol. 2. Por de trás das histórias temos grandes nomes dos quadrinhos, como Neil Gaiman (Sandman), Dave Gibbons (Watchmen), Bill Sienkiewicz (Elektra: Assassina), Gregory Ruth (Aberrações, no Coração da América) entre muitos outros. Com tantos nomes envolvidos o resultado não poderia ser menor que ótimo. Infelizmente, a Panini publicou apenas o primeiro volume e só nos resta aguardar pelo segundo.
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Mas nem tudo são flores. Devido o tema “Matrix” ter sido levado à exaustão, chega um determinado momento que você não sabe o que realmente está lendo. Para os fans da trilogia, Matrix Comics pode agradar bastante, mas para quem não gosta ou não conhece/entende sobre esse universo, acabará entendendo e gostando muito menos. Assim como nos filmes, algumas das histórias traz um visual arrojado e criativo, mas as semelhanças acabam por aí. Quase nada nas histórias nos remetem aos filmes (com exceção, claro, do tema e dos personagens citados), pois cada desenhista possui um determinado estilo de arte ou modo de contar a história, não que isso seja algo ruim, mas para quem possui pouco conhecimento de Matrix, tudo parece um emaranhado de histórias sem pé nem cabeça.
Mas isso não tira o mérito da coletânea. Algumas das história são ótimas e valem a pena ser lidas por qualquer um, já outras são apenas razoáveis. Detalhe especial para Fragmentos de Informação, que mostra a história de um robô/mordomo que sentiu medo de morrer (ser desativado) e optou por viver, matando seu dono e sendo indiciado por isso. Essa é a primeira história, que une textos e desenhos, indicando o começo da conscientização das máquinas e nos mostrando uma cena de chacina fortíssima e incrivelmente real.
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Preocupando-se Com as Pequenas Coisas é a segunda história e nos mostra como é programada a Matrix e é uma das melhores, em parte pela ótima arte de Bill Sienkiewicz. O conto ilustrado Golias, de Neil Gaiman, também é muito bom, praticamente uma literatura surrealista. A História do Moleiro é interessante por nos contar um pouco sobre o passado de Morpheus e de como é a “fauna/flora” do mundo real. Não Existem Flores no Mundo Real, Borboletas e Uma Espada de Cor Diferente são outras ótimas histórias, explorando várias teorias da Matrix, como o que ocorre no mundo real pode afetar você no mundo da Matrix, o campo onde os fetos de humanos são coletados, e a visão que cada um pode ter do mundo.
A história que mais gostei foi a terceira: Uma Vida Menos Vazia. Nela, temos uma hacker que, assim como Neo, teve a oportunidade de escolher entre continuar vivendo na realidade programada da Matrix (a pílula azul) ou acordar e enxergar o que há por trás de tudo isso (a pilula vermelha), porém ela acaba optando por uma escolha que se arrependeria pelo resto da vida. É uma história mais “simples”, se comparada as demais, mas nos mostra um outro lado da Matrix. Se tudo isso fosse verdade, você preferiria continuar protegido nesse mundo ou acordar e enfrentar os perigos do mundo real ? Sem contar que sou fan da arte peculiar de Ted McKeever (O Extremista), que é excelente.
Analisando a edição nacional, não há o que reclamar: capa dura, papel de qualidade, boa introdução e uma mini-biografia de todos os desenhistas e roteiristas envolvidos, em suma, está excelente. Interessante notar nas obras literárias citadas no decorrer das histórias, muitas vezes escondidas, como Moby Dick, Dom Quixote e Guerra de Troia. Concluindo, super recomendada para fans da trilogia Matrix, de histórias cyberpunks e de animes como Cowboy Bebop e Ergo Proxy. Porém, para os “não-fans”, pode ser um pé no saco. Ou não.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.
Não sabia que tinha essa galera de peso envolvida nesse trabalho. Como amante do mundo Matrix, vou ficar de olho nas promoções tb.
Abraço!
Sempre me indigna essa preocupação com os que não são fãs da série, se eu não conheço uma série, o meu pensamento racional deveria ser pegar o primeiro capitulo dela e a assistir em sequência, ao invés de exigir que um enredo fique mais “aberto” por eu estar com “preguiça” de pegar tudo do começo e querer ser incluído no que ta acontecendo. Por isso que muitas vezes, até filmes “menores” como os da ´serie Hellraiser, se desenvolvem menos, porque reduzem substancialmente o roteiro para tornar mais “acessível ao público que não conhece a história”, se eu fosse escritor ou diretor, pegaria uma briga ferrenha por isso, pois eu não cortaria boas partes da história para agradar esse público mais inculto.
Desculpa ae o desabafo Sr. Felix, quanto a HQ de Matrix, eu tenho ela em scan, mas nunca cheguei a ler, achei seu texto bem interessante, vou pesquisar por ela e mandar buscá-la em Dezembro ( Já que estourei meu orçamento com quase 300 reais em HQs em menos de dois meses ).
Força e Honra.
Obrigado pela leitura e comentário ^^. Essa HQ é muito interessante, pena que o Vol. 2 permanece inédito até hoje. Matrix é uma franquia muito intrincada e não dá colher de chá pra quem não conhece. Sobre o que você falou, as vezes nem é questão de deixar as coisas mais abertas ou fáceis de entendimento pro novo leitor, mas de como o autor manipula tudo isso. Neil Gaiman, por exemplo, conseguia criar ótimas histórias do Sandman que podiam serem lidas por qualquer um, independente de conhecer o início ou não.