[Especial] A Poética do Tarot Surreal e Tântrico do Amor!

Houve um tempo em que eu era wiccano, uma fase que aprendi bastante sobre simbologia e misticismo, quando começou minha fixação pelos sonhos. Acabei por abandonar as crenças depois de alguns anos, mas a paixão pelo esotérico, místico, mitológico e afins continuou. O tarô, em especial, sempre chamou e ainda chama minha atenção. Tenho duas versões do clássico de Marselha e o Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene, com os desenhos de Tricia Newell. Ao contrário do que muitos pensam, o tarô não é sobre ver o futuro e nem possui cunho mágico. É sobre interpretar símbolos, buscar um auto-conhecimento, trazer questões do inconsciente e expandir a mente, como Molinero diz: “o tarot tem múltiplas funções. Porém, a mais importante é a de despertar o sentido adormecido de nossa clarividência”. Até porque o tarô como conhecemos hoje, é bastante recente em relação a outros tipos de oráculos. A nível de curiosidade, não se sabe ao certo a origem dele, não tendo grandes registros até meados do século XIV, quando surgiu como um jogo de cartas, com ilustrações simbólicas, mas ainda sem nome ou numeração nelas, além do número de cartas variar de região pra região. Foi somente a partir do final do século XVII que se estruturou as 78 cartas com numeração e nominação específicas. Mesmo assim, era tido mais como um jogo lúdico que oracular.

A carta do Louco na versão tradicional de Marselha, do Tarô Mitológico e a do Tarô do Amor.

O tarô que conhecemos só veio surgir a partir do século XIX, quando passou a ser estudado por ocultistas e, já no século XX, quando saiu da Europa e chegou em outros países, como os EUA e até mesmo no Brasil. Ou seja, é bastante recente. Sua estrutura simbólica é muito forte: são 78 cartas, divididas em dois grupos; os arcanos maiores (22 cartas individuais) e os arcanos menores (56 cartas), que são os 4 naipes tradicionais do baralho. Além da disposição de Ouros, Paus, Espadas e Copas, cada arcano maior possui símbolos próprios, personagens arquetípicos que, mesmo com diferentes estilos artísticos, seguem numa mesma estética. Assim, o Louco, por exemplo, sempre é retratado com alguém caminhando rumo ao desconhecido ou ao precipício, carregando uma bagagem, sendo perseguido ou mordido por um cão que, em interpretações livres, indica o viver livre, despreocupado, mesmo sabendo o que pode acontecer em seguida, o espontâneo, deixar que o acaso se sobreponha. Inclusive minha primeira colagem da Criadora, foi inspirada nessa carta.

Recentemente, passando em frente a um sebo, vi na vitrine um livro e baralho de tarô em promoção: O Tarot do Amor de Molinero e Vinicius Pradella. Uma edição de 1995 pela editora Mandala, bilíngue (português-italiano) e com cartas grandes (15,5 x 9,5cm), aparentemente bem bonitas e custando R$10! Na hora minha paixão pelo jogo ganhou novo fôlego e não pensei duas vezes pra comprar. E pra minha surpresa, não só as cartas são extremamente ricas em simbologia, como o texto de Molinero é quase poético, com uma explicação para os arcanos maiores (não possui os menores) que trazem uma bagagem grande de mitologia. Li quase numa tacada só.

A leitura é simples, com uma introdução mostrando como Molinero, um tarólogo que possui outros tarôs publicados como o Alquímico e dos Gnomos, conheceu e se interessou pelo trabalho do pintor Vinicius Pradella, que segue um estilo surrealista, se inspirando no inconsciente. A junção dos dois gerou este baralho, que traz todos os principais pontos do surrealismo, pegando carona na estética de clássicos como Salvador Dali e Giorgio De Chirico. Após a introdução, cada capítulo comenta uma carta e possui de 2 a 3 páginas, com reproduções em preto e branco e um pequeno trecho de como aplicá-la numa leitura. Já as cartas são impressas em cores, formato grande e, apesar de não ser a melhor das impressões, cumpre seu papel, chamando a atenção. Um outro ponto é que Pradella originalmente as pintou em tela, o que gera maiores detalhes.

Mas o que mais me surpreendeu foi a maneira como Molinero escreve, mostrando sua paixão às cartas a cada momento, em frases inspiradíssimas, sem contar o alto teor surreal e cósmico do texto. Foi a mesma sensação que tenho ao ouvir algumas músicas da Baby do Brasil (que adoro), algo bem telúrico. E por se tratar de amor, ele fala de um prazer transcendental, buscando em antigos mitos algumas simbologias e caminhos pra explicar o amor e o sexo, quando se juntam e quando se separam. Assim, os arcanos maiores de Molinero possuem uma visão um tanto diferente da tradicional que estamos acostumados. Seu Louco é “aquele que foi capaz de descobrir os segredos do amor, que são a verdadeira loucura“, que no jogo indica o amor impossível, aquele nunca sonhado. Em meio a um texto e outro, o autor ainda associa grandes verdades (ou não) sobre o amor aos arcanos. Como essa passagem bastante inspirada, para a Imperatriz: “ela pede que lhe cinjam essa coroa, não de espinhos – que é o sofrimento masoquista do amor – e sim feita com flores, porque se essas nascem em nossas cabeças, o amor floresce também”.

Pradello apostou numa alta simbologia, desde as formas mais básicas como círculos, cones e quadrados, cada qual com seu determinado significado dentro do contexto da leitura, como os globos-mundos, os cilindros-fálicos, os chapéus que funcionam como antena mística para o Universo, tudo ricamente ilustrado. O Tarot do Amor acaba funcionando, pra quem não conhece o jogo tradicional, como um verdadeiro atrativo, um convite pra mergulhar nesse mundo de signos e significados. As costas das cartas, por exemplo, possui uma maçã ao centro e um casal numa rosa (numa extremidade) e um casal numa lótus (na outra extremidade). Além da maçã ser um dos símbolos do amor carnal, do pecado pelo conhecimento, Molinero cria toda uma explicação simbólica sobre a lótus no Oriente, como a sua flor surge do lodo; e a rosa, no Ocidente, que para chegar ao seu botão, precisa percorrer seus espinhos. Em ambas as flores, a moral que, muitas vezes, há um provamento para conseguir o orgasmo sagrado. Nada está ali por engano.

E pra reforçar isso, Pradello fez um ótimo trabalho. A carta do Carro, mais especificamente, merece destaque por ser inspirada nos famosos animais de Salvador Dali, com suas pernas finas e compridas. Entre outros temas que são constantes ao ler o livro e acompanhar as cartas, são o circo e o teatro com seus personagens, como o palhaço e a columbina; os balões; símbolos andrógenos e hermafroditas; o sangue azul real de Vishnu; o equilíbrio amoroso e sexual através do cosmos. Aliás, Molinero tem uma atenção toda especial ao sexo tântrico e sagrado, como ao comentar a carta da Temperança: “o suor, não de esforço nem de trabalho e sim daquele líquido que pelos poros emite a água da felicidade“. Uma das cartas que mais gostei foi a da Estrela, que Pradello ilustrou com a clássica Marylin Monroe. Além do texto de Molinero conseguir explicar a esperança e otimismo que ela representa, ela traz a estrela que abriga em cada um de nós, aquela que brilha lá no céu, que guia os marinheiros ou nos levam à Belém. Uma grande metáfora para acreditar em si mesmo, em seus instintos. Brilhante.

O Tarot do Amor foi um achado, super recomendo sua aquisição, tanto pelos que gostam e o jogam, quanto àqueles interessados em simbologia. Sem contar que em sebos está praticamente de graça, afinal é um livro de 170 páginas e um baralho bonito com os 22 arcanos maiores, além do Ás de cada naipe, totalizando 26 cartas grandes e coloridas. Uma leitura envolvente, que aqueles inspirados ou apaixonados irão amar.

Comments

comments

Conte-me o que achou do artigo :)