Nome Original: Trois Ombres
Editora/Ano: Cia. das Letras, 2011 (Delcourt, 2007)
Preço/ Páginas: R$39,50/ 272 páginas
Gênero: Alternativo/ Fantasia
Roteiro/ Arte: Cyril Pedrosa
Sinopse: Joachim e seus pais levam uma vida tranquila em uma pequena casa no campo. A aparição de três sombras no alto de uma colina, no entanto, corrói a harmonia da vida em família e enche os pais de dúvidas. Seriam viajantes? Por que estão rondando a casa? A cada tentativa de aproximação, as figuras misteriosas desaparecem. Logo, eles percebem que as sombras estão ali para buscar Joachim. Recusando-se a aceitar esse fato, o pai foge com o filho em uma viagem febril e desesperada, sempre com as sinistras sombras em seu encalço.
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“Três Sombras” é uma graphic novel encantadora, de uma sutileza incrível. Cyril Pedrosa descreve a história de um pai que faz de tudo para proteger seu filho do desconhecido, fugindo pelo mundo se for preciso. Cria uma fábula contemporânea sobre perca, morte, esperança, recomeço.
Joachim mora com seus pais (Louis e Lise) num pacato campo, sendo autossuficientes, desfrutando e vivendo em harmonia com a natureza. Tudo na mais perfeita calma, até que a sombra de três cavaleiros surgem numa colina. A família imagina ser algo passageiro, talvez pessoas que se perderam. Mas com o passar dos dias as sombras chegam cada vez mais perto da casa e, quando Louis ameaça expulsá-las, elas simplesmente desaparecem.
O medo da família faz com que a mãe Lise viaje até a cidade pra pedir conselhos à Suzette Pique, uma “curandeira”. A resposta não poderia ser pior: segundo a velha, tais sombras vieram para buscar Joachim, e nada poderá ser feito. Louis prefere não acreditar em tal “profecia”, porém quando percebe que há possibilidade disso ser real, foge com o filho para longe, no intuito de despistarem as sombras.
E o álbum continua com os locais pelo qual pai e filho passam, as dificuldades e as personalidades que encontram até a descoberta das tais três sombras. Numa narrativa lenta, porém cheia de ação. São mais de 250 páginas de desenhos. E que desenhos.
A história de “Três Sombras” deixa várias pontas soltas em seu final, propositalmente. Toda a linguagem de Pedrosa é metafórica, o que levanta várias questões quanto ao real significado das sombras. O autor escreveu o álbum na época em que um casal de amigos perdeu um filho pequeno, e ele se sentiu na obrigação de contar algo que retratasse essa situação e pudesse reconfortar a família.
Mas o trunfo desta HQ está na arte, que é linda. Talvez a narrativa se torne até pequena em comparação à ela. O traço de Pedrosa é super delicado e detalhista, muito cartunesco porém bastante expressivos. Também utiliza do preto e branco de maneira sensacional, indo da construção de cenas com contornos à super páginas pintadas quase que a carvão. Interessante que ele trabalha sempre de uma forma “circular”, um efeito que engrandece a perspectiva de algumas cenas.
Como “Três Sombras” é praticamente uma fábula, não podemos dizer o que está ali simplesmente para enfeitar ou simbolizar algo, mas gostaria de ter visto algumas partes melhor exploradas. A escrava no navio, por exemplo, me deixou perplexo. Perto do final, quando aparece um “curandeiro” (e protagoniza uma das melhores sequências) a história vira de cabeça pra baixo e a fantasia se mistura a realidade, dá um nó na cabeça ^^. A saída visual de Pedrosa para alguns momentos também merece destaque, como a revelação das sombras.
Talvez esta graphic tenha mais impacto com quem tem filhos ou tenha passado por situação semelhante. A ideia da perca e da morte de um ente querido sempre é muito forte, e mesmo numa pegada infantil e de fábula, o autor continuou firme à ideia original e não nos entregou um simples “final feliz”.
Quando terminei de ler, tive a sensação de que gostaria de ter visto mais, que as coisas ficassem um pouco mais “claras”. Mas agora, escrevendo e lembrando das cenas, fico instigado com as metáforas e nuances da história. O que eram as sombras? O que causaram na vida de Joachim? Não há como fugir do Destino? Essas e outras questões a engrandecem.
O autor trabalhava como animador nos estúdios Disney (Hércules, Corcunda de Notre-Dame), talvez venha daí seu jeito de narra e saber levar o leitor para seu objetivo final, além de todo seu estilo gráfico. O momento que Suzette fuma e a fumaça se transforma num flashback é muito Disney! Outro ponto marcante são as frases do pequeno Joachim, que possui uma clareza maior de toda a situação.
A edição da Cia. Das Letras segue o padrão da casa, com capa cartonada e miolo em papel pólen, semelhante ao offset mas mais poroso, que dá leveza ao álbum (mesmo sendo grande). Mas, infelizmente, não há nenhum extra. Talvez uma pequena matéria sobre o autor ou em qual contexto criou a HQ pudesse ajudar em seu entendimento.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.