Missy Elliott é uma das precursoras do hip-hop visual, das batidas exóticas e uma das rappers mais bem sucedidas e influentes atualmente. Antes de Nicki Minaj usar peruca rosa em clipes coloridos, Missy já fazia algo semelhante há mais de 15 anos atrás, quando estreou em 1997 com “The Rain (Supa Dupa Fly)”, considerado pela Rolling Stones, Billboard, VH1 e demais mídias especializadas como um marco na história do hip-hop e também uma das melhores músicas/ videoclipe de todos os tempos. Desde então Missy se tornou referência do que é ser criativo e inovador no mundo musical.
Mas antes de partir pro assunto deste especial, um breve resumo da carreira de Missy Elliott ^^. Nascida em Portsmouth – Virginia em 1971, Missy sofreu bastante durante a infância e adolescência, não tendo muitos amigos e comendo o pão que o diabo amassou nas mãos de seu pai, que chegava a abusar dela. Aos 14 anos acaba fugindo com sua mãe, se livrando dos tormentos. Aos 20 se uniu à um grupo de rappers (os Swimg Mob) e ganha notoriedade ao escrever ótimas letras, contribuindo para diversos artistas, entre eles uma pequena Raven-Simoné. Também formou um grupo de rappers femininas, o “Sista”, chegando a gravar um álbum em 1994, porém nunca lançado. Com o término do Swing Mob, Missy se tornou a grande parceira de Timbaland, escrevendo e produzindo loucamente (principalmente para Aaliyah, sua querida) e fazendo participação especial em alguns clipes até 1996.
Mas Missy ainda era um peixinho fora d’água, em grande parte devido seu visual. Ela não era uma “carinha bonita”, muito menos tinha o “corpão” das demais rappers como Da Brat, as TLC, Destiny Child ou até a própria Aaliyah, o que a tornava alguém muito mais dos “bastidores” do que dos palcos. Mas em 1997 as coisas mudam de forma: ela lança seu primeiro álbum – Supa Dupa Fly – e alcança o topo das paradas, ganhando o disco de platina e faturando diversos prêmios e indicações. Com a estréia do clipe do primeiro single “The Rain” (dirigido pelo Hype Williams), Missy marca para sempre a indústria, debochando de seu próprio peso e com roupas extravagantes, conseguiu unir o visual com uma batida exótica e viciante. A partir daqui se torna um ícone dos videoclipes, sempre inovadores, e também referência por mostrar talento e visibilidade sendo totalmente fora dos padrões da música, além de sua parceria eterna com Timbaland. Nos anos seguintes produziu e fez parceria com… tipo, praticamente todo mundo. De Madonna, Beyonce e Christina Aguilera à Mel B e Pussycat Dolls. Um ícone do hip-hop com 6 álbuns lançados, mais de 70 singles entre solos/ participação, 1 coletânea e a única rapper feminina com 6 discos de platina, além de ser produtora/ compositora.
Eis aqui a evolução de Missy Elliott a partir de 1997, uma viagem pela identidade visual da artista, uma das mais icônicas:
Em 1997 Missy estréia com o álbum “Supa Dupa Fly”, com 4 singles/ videoclipes. É algo totalmente surreal, diferente de tudo que vinha ocorrendo na década de 1990. Os críticos consideram até hoje um dos álbuns mais inventivos do hip-hop, com arranjos criativos e batidas que vão da eletrônica ao reggae, sem deixar o rap de lado. E realiza a mesma façanha no campo visual, com o lançamento do primeiro single, The Rain, com Missy surgindo em seu icônico traje inflável de saco de lixo:
O nonsense toma conta do clipe, da coreografia estranhíssima dos dançarinos aos próprios passinhos da Missy, tudo bem natural ao estilo da moça. Tudo muito colorido, com os clássicos macacões amarelos e os casacos cítricos. Vale comentar a participação especial de diversos outros artistas, como o próprio Timbaland, Da Brat e Lil Kim, mostrando a amizade que possuem por ela. Missy é uma das poucas no ramo que não tem intriga com demais rappers, algo raro.
Essa primeira identidade, que chamo de “Psicodélica e Inflável” permaneceu até meados de 1999, produzindo ainda outros três clipes. Sock It 2 Me veio na sequência de Supa Dupa Fly, desta vez Feat. Da Brat. O clipe se passa num planeta vermelho (Marte?) com Missy e Lil Kim descendo de uma nave e enfrentando alguns robôs, com trajes a lá Megaman. Destaque para a coregrafia da “sala vermelha”, com ela e os dançarinos fazendo o passinho de “Smooth Criminal” do Michael Jackson.
Em seguida foi a vez de Beep Me 911, auge dessa fase: Missy e o grupo 702 dentro de uma casa de bonecas, dançando dentro de gaiolas, em pole dancing, num clima de fetiche mas super colorido, com as tradicionais roupas cítricas e batom forte. Detalhe para a maquiagem nos braços e pernas, simulando as dobradiças das bonecas.
O quarto e último single de “Supa Dupa Fly” foi Hit Em wit da Hee, num tom mais obscuro, sem cores ou o nonsense usual. Ao contrário dos outros três, este não foi dirigido pelo Hype. No clipe, Missy está de terno fazendo vários passinhos em meio à chuva, uma clara referência ao Michael Jackson novamente, um de seus ídolos.
Ainda em 1998 Missy produz e participa do primeiro single solo da ex-Spice Girl Mel B: “I Want You Back“. No clipe ela volta à psicodelia, num cenário futurista em verde e azul, com as duas passando por dominatrixes. É o momento em que Missy firma sua marca como uma personagem exótica e criativa.
Em 1999 chega seu segundo álbum, Da Real World, uma experiência totalmente diferente da anterior, voltada pro dark e futurista. Alguns o consideram à frente de sua época, até mesmo hoje em dia. Apesar das batidas de Timbaland continuarem, as letras são voltadas para uma mulher forte, segura de si e dona do mundo. Chamemos esta fase de “Dark Bitch”. E nada mais justo que o primeiro dos três singles ser She’s A Bitch, uma viagem visual milionária e única.
Missy surge com a cabeça raspada numa roupa preta de latex. O clipe foi muito inovador e tecnológico na época, sendo um dos mais caros produzidos na indústria, custando 2 milhões de dólares. Na superprodução estão inclusos um “M” gigante saindo da água, trazendo nele dançarinas também carecas, e um cenário totalmente iluminado eletricamente como um pisca-pisca, incluindo uma roupa também nesse estilo. Apesar de hoje em dia ser uma coisa básica, tal iluminação foi única na época.
She’s a Bitch é um dos meus clipes preferidos EVER, devido seu clima apocalíptico e elegante. O momento em que Missy surge da água em cima do seu próprio M é épico! Assim como a coreografia feita nele. Em seguida foi a vez de All n My Grill, que fez um pouco mais de sucesso, apesar do clipe ser mais contido, com Missy falando de homens dentro de um carro e, inclusive, beijando um “hot boy”. Também há referências à sua época de Supa Dupa Fly, nas cores das roupas. Em 1999 Missy e Da Brat também participam do remix de Heartbreaker da Mariah Carey, ainda com o visual p/b.
Mas é com o lançamento de Hot Boyz, terceiro e último single, que Missy alcança o auge de Da Real World, quebrando o recorde de semanas consecutivas no topo das paradas. Com a participação de Nas e Eve, o clipe e música é um hino do hip-hop, se passando numa grande arena cheia de pirotecnia e luzes estroboscópicas, que se tornaria uma tendência mais tarde. Eve, inclusive, canta sua parte da música em shows até hoje, de tão icônico que se ternou. Missy também adota de vez a franja.
Dois anos mais tarde, Missy chega com o album Miss E… So Addictive em 2001, consolidando sua carreira não apenas no hip-hop, mas agora também no dance/pop. Com 5 singles, é talvez seu CD mais aclamado e também sua época de ouro. Entre 2001 e 2002 Missy lançou 6 clipes, participou de tantos outros e apareceu na trilha de diversos filmes, além de uma apresentação no VMA (descendo de um lustre). É a identidade visual “Freak-Freak”, com coletes coloridos, cabelo arrepiado e de volta aos clipes nonsense.
O primeiro clipe foi Get Ur Freak On, um sucesso absoluto e uma das músicas obrigatórias da Missy pra qualquer um. O clipe é totalmente surreal, com uma batida alucinante. Desde a introdução ao cenário, uma espécie de masmorra, com várias coisas bizarras, de modelos albinas à pessoas saindo do chão.
Missy auto-proclama sua loucura, pede pra ficarmos ligadão e critica os que a copiam. Ao final do clipe de Get Ur Freak On também tem a música Lick Shots, que saiu como um single menor. Em seguida temos One Minute Man, um clipe mais 00’s, falando de ejaculação precoce e com muita sensualidade, com a participação de Ludacris e Trina, prova mais uma vez seu talento com a coreografia.
O quarto single foi Take Away, uma balada romântica, em homenagem à Aaliyah, que havia falecido num acidente de avião e que deixou um trauma na vida de Missy. O clipe é bem diferente de seu estilo, se passando num de jardim de conto de fadas, com decoração de anjos. Bem suave e bonito. Em 2001 Missy também participa de Son Of a Gun, da Janet jackson, com seu novo visual clássico.
Ao final de Take Away, o clipe emendava o quinto e último single 4 My People, que alcançou um certo sucesso, conseguindo seu próprio remix video em 2002. Totalmente dance, é uma de suas músicas mais animadas, com o clipe bem “american-way”, todo mundo dançando sem ver o amanhã, seguindo a onda clubber do momento.
Em 2002 sai Under Construction, quarto álbum que trouxe dois clipes. Apesar de manter a qualidade visual, Missy passou a emagrecer bastante nessa época, aparecendo com uma imagem diferente, sua identidade “Work Out”, rebelde, irônica e nostálgica, com diversas referências old-school ao hip-hop dos anos 1980. Seguindo o sucesso de “Miss E” e recebendo diversos elogios, Missy agora está voltada mais ao dance que ao rap propriamente dito.
O primeiro single foi Work It, outra música obrigatória para qualquer um, com uma letra ácida e um video icônico, onde ela aparece com o rosto coberto por abelhas, planta bananeira, tira sarro da sua aparência, come um carro e participa de muitas, muitas ótimas coreografias. Ao mesmo tempo em que foi aplaudida por retratar de forma bem humorada a questão sexual dos rappers, também foi criticada pelos mais conservadores por ser obscena demais.
O segundo clipe foi Gossip Folks, um tapa na cara de todos os comentários que vinham sendo feitos a respeito de sua sexualidade e perda de peso. Se passando num colégio, o video mostra Missy como uma estudante sendo criticada no corredor, fazendo guerra de comida na cafeteria, tendo uma briga com o professor numa sala de aula e finalmente indo embora num ônibus escolar. Com participação de Ludacris e Ms. Jade , também se tornou um hit no TOP Dance.
É um dos clipes mais engraçados e também deixa bem claro que a partir daqui Missy se tornaria a cara da marca Adidas, usando as famosas listras em qualquer figurino, deixando um pouco de lado os macacões de latex do passado, continuando à inovar na era 00’s.
Logo em 2003 sai seu quinto álbum: This Is Not a Test!, e com ele uma baixa em sua carreira. Apesar de bem sucedido, os críticos disseram que Missy só se preocupava com a batida e nada mais, além de sua incrível perda de peso, estando mais magra que antes. Assim como em Under Construction, saíram apenas dois clipes. O primeiro foi o controverso Pass That Dutch, com referências a maconha e cujo clipe sofreu certas críticas, afirmando que Missy estava tirando sarro dos gordinhos. Ironicamente, esta é uma de suas músicas com a batida mais legal.
Temos o retorno do nonsense, com Missy dançando embaixo de um Disco Voador, uma mulher devorando um homem, uma Miss sendo coroada por bonecas Bratz e o final sensacional, uma paródia ao King Kong, com ela gigante em cima do Empire State. É a primeira vez que a vemos numa roupa de couro justa, mostrando as pernas e o decote. Também há diversas homenagens à Aaliyah. Essa fase ficou um tanto quanto perdida, depois dos sucessos anteriores. Identidade visual, então, “Lost Beat”.
O segundo clipe é de I’m Really Hot, que também fala sobre seu novo visual, com referências ao filme Kill Bill. É seu primeiro clipe com alguma introdução falada. Trata de uma rixa entre gangues rivais, com vários japoneses dançando loucamente.
Em 2004 Missy já era um monstro da indústria, porém ficava cada vez mais “normal”, perdendo seu lado irreverente, psicodélico e inesperado. Apesar dos poucos singles de This Is Not a Test!, participou de inúmeros outros, com destaque para Car Wash com Christina Aguilera, Fighting Temptation com Beyonce, Mc Lyte e Free e o sucesso 1, 2 Step da Ciara.
Missy ficou mais um ano no hiato e lança em 2005 The Cookbook, um álbum mais conciso e equilibrado, dando atenção tanto à batida quanto as letras, com referências ao soul e antigos ídolos. É voltado mais ao rap e um de seus melhores álbums, com praticamente todas as músicas bem aproveitadas. O primeiro dos três singles lançados foi Lose Control, que fez muito sucesso e trouxe de volta a Missy que conhecíamos, totalmente fora de controle, fazendo coisas absurdas. A partir daqui, sua identidade visual passa a ser “Digital Crazy”.
Digital pois Lose Control abusa dos efeitos especiais, começando por ela brotando da areia e dançando freneticamente. Ali é a cabeça dela no corpo de outra pessoa! Depois temos várias coreografias e dançarinos loucos, com um par de tênis nas mãos. Ciara, que faz uma participação especial, é arremessada na parede e continua dançando. Ao final temos um pedacinho da música On & On, uma batida viciante e Missy vibrando numa madeira em meio ao deserto. Junto de Get Ur Freak On e Work It, essa também é um de seus hits obrigatórios.
Lose Control foi uma das músicas mais tocadas em 2005 e também um dos clipes mais vistos. Arrematou diversos prêmios e ficou no topo das paradas. Os outros dois singles seguintes, infelizmente, não tiveram a mesma sorte. Teary Eyed é mais lenta e emotiva, com um fotografia linda, com Missy sendo presa, com camisa de força, sendo acusada de assassinato. Ao lado de Take Away, outra música diferente e calma de seu repertório. We Run This foi o terceiro single, seguindo o estilo de Lose Control. Missy interpreta a líder de uma fanfarra num estádio. Faz diversas brincadeiras e abusa dos efeitos especiais, com ela fazendo a Daiane dos Santos. Outro clipe bom, porém que não obteve muito sucesso e que parece, visto hoje em dia, bastante exagerado (e não no bom sentido).
Desde então Missy Elliott não lançou mais álbuns, apenas uma coletânea em 2006 denominada Respect M.E. Em 2008 surgiu o boato da estréia de “Block Party” e inclusive saíram alguns singles, porém o álbum até agora não foi lançado, se passando mais de 10 anos desde The Cookbook. Um novo video saiu em 2008 também: Ching-Ling, provando que Missy ainda não fez de tudo, criando o primeiro clipe totalmente em 3D. Por conta disso, todo o nonsense dele é em prol de ser visto “saindo da tela”, inclusive com o grupo de dança japonês U-Min, especializados em passos slow-motion. Uma outra pérola da era digital, porém que também não obteve muito sucesso.
Missy continua a produzir e compor para outros artistas, assim como participando de remixes e clipes. Ficou longe do mainstream por muitos anos e só recentemente voltou aos holofotes. Em 2015, Missy faz uma participação especial na apresentação da Katy Perry no Superbowl, cantando um meedley de seus hits. Além de ressurgir, sendo um dos destaques da noite, alavancou as vendas de seus álbuns e singles nas plataformas digitais, se apresentando para uma nova geração e percebendo o quanto fez falta nesse período.
Finalmente, no final de 2015, Missy lança um novo videoclipe: WTF (Where They From), que seria o carro-chefe de seu sétimo álbum. Foi aclamada pela mídia, tanto pela música quanto pelo visual. Num cenário futurista, Missy abusa de coreografias, efeitos especiais, visual exótico, maquiagem e acessórios tecnológicos. Pela primeira vez em anos, seu nome estampa as paradas de sucesso novamente, voltando a fazer apresentações na TV (The Voice), sendo homenageada pela Bilboard e recebendo o prêmio inaugural por Inovação, participa da trilha de Os Caça Fantasmas, é homenageada também do BET Awards. O sétimo álbum, entretanto, ainda é um mito.
Esse especial reuniu todos os principais clipes de uma das artistas que mais admiro, levantando seus looks e comentando as fases por quais passou. E mesmo sendo extenso, ficou de fora muita coisa, já que a videografia da mulher é quilométrica. Missy Elliott é sinônimo de pensar fora da caixa, de seguir seu próprio estilo, não temer estar fora dos padrões, não pensar em mainstream, de acreditar em si mesmo e seguir em frente.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.