Inaugurando a categoria “Portfólio” do site (onde postarei meus trabalhos), minha primeira série realizada com colagem, técnica que vem me fascinando cada dia que passa. Sempre admirei artistas que trabalham com ela, principalmente pelo efeito surreal e fantástico que as colagens passam, capazes de retirar imagens do seu sentido original para transformá-las em algo totalmente novo.
Infelizmente, a colagem ainda é vista com bastante preconceito pelos outros artistas mais “tradicionais”, principalmente por não ser uma criação “100%”, já que é construída com partes de outros trabalhos, sejam eles fotografias, ilustrações, pinturas, papel de decoração etc. Em resposta à isso, costumo dizer uma frase do colagista Jakob Kolding: “nada surge do nada”. O grande trunfo de se trabalhar com peças já existentes é o de exercitar a criatividade, o desenvolvimento de um vocabulário visual próprio, o de experimentar, de ir além daquilo que está impresso numa revista ou jornal, de enxergar o mundo de maneira diferente, como montar um quebra-cabeça cujo resultado final não está ilustrado na caixa. Sem dizer que ir em busca de imagens em revistas é uma viagem alucinante, cada achado é uma explosão de ideias.
Eu realmente cai de cabeça nesse universo de recortes após ler o livro “Cut & Paste: 21st Century Collage“, que reúne o trabalho de 40 colagistas do mundo inteiro, inclusive dois do Brasil (João Colagem e Eduardo Recife). Todos incríveis, com temáticas e estéticas diversas. Em seguida foi a vez de ler “The Collage Workbook“, livro de cabeceira da técnica, onde explica praticamente todo tipo de material utilizado, desde o suporte à tesouras, além de incluir 50 propostas de produção para te manter sempre inspirado.
Com a cabeça cheia de inspiração e alguns trabalhos realizados, resolvi criar minha primeira série inteiramente de colagem com uma das temáticas que adoro trabalhar: Série Jesus. A religião sempre está presente em meus desenhos, quase sempre de forma crítica, pois gosto de fazer as pessoas fugirem da concepção tradicional de imagens santas e olhar mais a fundo o que está escondido. E com a colagem consegui trabalhar bem essa parte, pois transforma totalmente o significado da imagem original.
A série é composta por 5 telas que exploram a religiosidade cristã em seus mais diversos aspectos, como a pluralidade e influência cultural, a perseguição da Igreja na Idade Média, o uso da estética barroca, o pagamento de indulgências… Em todas há a ausência de rostos humanos, uma característica que gosto muito em colagem e que venho explorando bastante. Abaixo descrição das mesmas e comentários meus, quem quiser adquirir alguma gentileza entrar em contato ^^.
“Religioso” foi a primeira peça que fiz (e também a maior das 5). Além de recorte de revistas, o fundo é feito de filtro de café. Acredito ser a mais expressiva de todas, nela exploro a típica ligação dinheiro/ religião, o culto à uma forma primitiva e morta de ver o mundo, a arquitetura que nos remete à cidades religiosas (também presente nas demais peças).
“Inquisição” é a mais divertida. Fica claro toda a perseguição da Igreja contra aqueles que não se encaixam em seus padrões e, também, os que apontam e julgam os demais. O jogo de duplo sentido está bastante presente como a cabeça de cervo no perseguido e a cavalaria detrás (estariam sendo comandados por este “General-Jesus” ou apenas utilizando sua imagem como desculpa para suas ações?).
“Madonna” brinca com a famosa imagem de Maria segurando o menino Jesus, mas aqui os dois não se olham, são de naturezas diferentes, como se cumprimentassem apenas por aparência e cordialidade.
“Espetáculo” lida com o grande circo em que se tornou os cultos e reuniões religiosas. Girando em torno de recompensas e troca de valores, os verdadeiros “grandes” entram no Reino de Deus enquanto os demais aplaudem de pé.
Em “Cultura” eu quis explorar a pluralidade religiosa no mundo, o uso de mil versões e imagens para representar a mesma coisa e, assim como a colagem, a formação desse “Frankenstein” a partir do entendimento de cada uma.
Essas são algumas das minhas observações quanto ao resultado final de cada uma, mas todas estão abertas à novas interpretações. Espero que tenham gostado, em breve apareço com mais séries e projetos.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.