Neste segundo volume Vaughan surpreende por tratar de um tema incomum, principalmente com a série ainda no início: o sempre polêmico casamento homossexual. Vale comentar que a narrativa segue a mesma estrutura do primeiro volume: Mitchell enfrenta dois casos, um político e outro “misterioso”, além dos flashbacks como a Grande Máquina.
Na parte política, Mitchell Hundred se depara com uma situação inusitada: é convidado para realizar a cerimônia de casamento de Toddy Wylie, irmão do vice-prefeito, com o seu namorado Bill Dunst. Não há lei que permita o casamento de pessoas do mesmo sexo, mas também nada que o proíba explicitamente, e é nesse ponto que Hundred deseja burlar e realizar o evento. A decisão é polêmica, já que infringe questões morais de determinadas religiões e pode colocar a própria sexualidade dele em risco, já que é solteiro e as pessoas costumar julgar àqueles que defendem a “causa gay”.
O interessante está no modo com que o protagonista lida com a situação, chegando a combinar um encontro com a jornalista Suzanne Padilla para ninguém ter dúvidas quanto à sua vida amorosa. Mas será que Mitchell Hundred esconde algo? Outro ponto são os noivos: um é bombeiro e o outro político; cujas classes sociais facilitam o processo. Apesar desta sub-trama não terminar num “mundo perfeito”, mostra que o autor consegue lidar com temas menos comuns às HQs de heróis, falhando apenas em mostrar um lado da história (de Mitch) e não dos demais envolvidos (como no volume anterior).
Já no caso “misterioso”, ele precisa investigar alguns assassinatos envolvendo um estranho símbolo, sempre pichado na cena do crime. Acontece que este mesmo símbolo estava presente no equipamento que explodiu e lhe deu poderes. Em flashback, vemos que ele teria dado um fragmento deste equipamento (com o símbolo grafado) ao agente Jackson Georges de um grupo de inteligência dos EUA, para que fosse investigado. Agora, um ano depois, o próprio Georges se torna suspeito dos assassinatos envolvendo a marca. Destaque para a cena da morte no metrô, uma das melhores deste volume que está bem sangrento.
Os diálogos carregados de referências políticas continuam e é um dos pontos alto de Vaughan; o glossário no final da edição auxilia no bom entendimento da história. Os desenhos de Tony Harris e cores de J. D. Mettler deixaram a arte cinematográfica e reluzente, uma característica marcante em Ex Machina. Porém fica a impressão de que os dois temas tratados poderiam ser melhor aprofundados, como o “símbolo”. O que é, afinal? A introdução é assinada pelos irmãos Wachowski (Matrix), comentando que queriam trabalhar numa ideia parecida (política/ super-herói) e de como se espantaram em descobrir a presente obra. Ao final estão reproduzidos alguns esboços de Harris.
Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.