Editora/Ano: Mercado Negro, 2000
Preço/ Páginas: R$3,00 / 48 páginas
Gênero: Alternativo/ Suspense
Roteiro / Arte: Ronaldo Selistre
Sinopse: Uma cidade automatizada, onde meio milhão de pessoas vivem à noite e repousam durante o dia. Vagando pelas noites da cidade, um misterioso autômato chamado Dante Alighieri investiga histórias secretas de rancor, angústia e morte, num passeio pelos corredores escuros da alma.
Utopolis é um fanzine criado por Ronaldo Selistre e lançado pela editora independente Mercado Negro em meados de 2000. Mesclando ficção científica com literatura e um pouco de noir, além de uma ótima arte, é uma HQ bastante interessante e uma boa pedida para os autores independentes. Não é tão difícil de encontrar à venda (na Rika tem), porém é pouco conhecida e quase não há informações na net à respeito.
A história possui introdução de Luís Fernando Veríssimo, sobre uma cidade futurística chamada Tecnoturna, onde o autômato Dante Alighieri vaga pelas ruas observando as estranhas atitudes dos humanos, ao mesmo tempo em que estranhos assassinatos ocorrem. Ronaldo Selistre pega a base e nos mostra mais detalhes de Tecnoturna, como foi sua fundação e a quem se destina, além do nosso misterioso protagonista. Ao todo, a HQ é composta por três “contos” que explicam um pouco mais sobre a cidade, os costumes dos habitantes, o papel dos robôs neste futuro e de como algumas pessoas estão saindo do sistema automatizado do lugar.
Lotado de recordatórios, os textos de Selistre ajudam o leitor a imaginar esta “Utopolis”, pois suas informações a respeito de fundação, número de habitantes, formas de trabalho e a utilização de robôs, entre outras coisas, são bem completas. Claro que uma cidade organizada de tal fora dificilmente existiria (limite de habitantes, 1 hora de trabalho por dia, renda social igual para todos), mas é nesse aspecto que Utopolis brilha, pois estamos falando de uma utopia. E quem não gosta de conhecer novas versões do futuro da humanidade? A visão do autor é interessante e faz refletir.
As três histórias são boas, cada uma à seu modo. Na primeira, Dante investiga um senhor que coloca anúncios no jornal solicitando companheira de quarto; mas elas acabam desaparecendo misteriosamente, sempre. No segundo, Dante tenta ajudar um dono de teatro que teme ter sua apresentação noturna arruinada por dois caras, que prometeram detonar tudo. E no último, o robô observa os passos de um assassino. Você percebe uma evolução na narrativa, que inicia com algumas cenas forçadas (como o velho já ir entregando o jogo), e passa por momentos melhor construídos, como no final da segunda história.
A arte é bastante caprichada e se destaca, além de também sofrer modificações no decorrer da trama, mas mantendo o mesmo estilo. As páginas são pretas e acentuam o tom melancólico da cidade. Os traços são bem definidos e divide espaço com desenhos mais “esfumados”. O resultado é algo bastante “desenhado”, como se feito com lápis comum, dando um tom mais de “fanzine”, porém de modo profissional. Na última história o autor arrisca algumas montagens com fotografias e deixa a arte mais dinâmica. O destaque fica para as cenas em que personagens são vistos de cima ou de baixo, numa ótima perspectiva pouco vista em HQs do gênero.
O autor também trabalha muito na movimentação das cenas, mesmo nas de ação, para não quebrar o ritmo de tristeza e solidão passado. Algumas, como a do metrô e da mão na janela, se destacam. Os balões, porém, poderiam ser melhor editados, pois é possível ver o balão da arte original por debaixo do balão criado. Algo simples, mas que se repete em muitas páginas. Há, também, alguns erros de gramática e de digitação que passaram despercebidos numa revisão.
Utopolis é uma HQ bastante polida, tanto em roteiro quanto em arte, mas que poderia ter se aprofundado melhor, pois além de curta sua leitura é bastante rápida. O autor escreve bem e poderia incluir mais textos sobre Tecnoturna, criando uma cidade mais detalhada. O protagonista, o autômato Dante Alighieri, é pouco explorado no que refere à personalidade, origem e motivação de seus atos. A cidade acaba se tornando a verdadeira protagonista da história.
O acabamento da edição é competente, com folhas foscas e de gramatura razoavelmente alta, com editorial ao fim, introdução do autor de L. F. Veríssimo no início. Infelizmente, não encontrei outros títulos dele (se é que ele criou mais HQs) nem outras informações. Só sei que ele, Ronaldo Selistre, é membro da banda de rock Damn Laser Vampires, trabalhando no vocal e guitarra. Um bom som, diga-se de passagem!
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.
Obrigado, Fil; grata surpresa encontrar essa tua resenha bacana. É uma HQ antiga e obscura, não esperava que ainda fosse ler sobre ela.
Só me permita aproveitar pra corrigir uma informação – Utopolis não foi inspirada em nenhum conto do L.F. Verissimo, ele apenas escreveu a introdução do álbum.
Parabéns pelo blog. Obrigado mais uma vez, um abraço!
Ron
Olá Ronaldo, estava organizando minha antiga coleção de HQs e achei está. Excelente! A tenho desde 2000. Há outras publicações ou ela é filha única?
Opa Ronaldo, obrigado pela visita!! Informações atualizadas! Gostei muito de Utopolis, teremos mais HQs do gênero?
Sim, há planos de retomar a série mais adiante. Dou notícias 🙂