Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.
[Review] Utopolis !
Editora/Ano: Mercado Negro, 2000
Preço/ Páginas: R$3,00 / 48 páginas
Gênero: Alternativo/ Suspense
Roteiro / Arte: Ronaldo Selistre
Sinopse: Uma cidade automatizada, onde meio milhão de pessoas vivem à noite e repousam durante o dia. Vagando pelas noites da cidade, um misterioso autômato chamado Dante Alighieri investiga histórias secretas de rancor, angústia e morte, num passeio pelos corredores escuros da alma.
Utopolis é um fanzine criado por Ronaldo Selistre e lançado pela editora independente Mercado Negro em meados de 2000. Mesclando ficção científica com literatura e um pouco de noir, além de uma ótima arte, é uma HQ bastante interessante e uma boa pedida para os autores independentes. Não é tão difícil de encontrar à venda (na Rika tem), porém é pouco conhecida e quase não há informações na net à respeito.
A história possui introdução de Luís Fernando Veríssimo, sobre uma cidade futurística chamada Tecnoturna, onde o autômato Dante Alighieri vaga pelas ruas observando as estranhas atitudes dos humanos, ao mesmo tempo em que estranhos assassinatos ocorrem. Ronaldo Selistre pega a base e nos mostra mais detalhes de Tecnoturna, como foi sua fundação e a quem se destina, além do nosso misterioso protagonista. Ao todo, a HQ é composta por três “contos” que explicam um pouco mais sobre a cidade, os costumes dos habitantes, o papel dos robôs neste futuro e de como algumas pessoas estão saindo do sistema automatizado do lugar.
Lotado de recordatórios, os textos de Selistre ajudam o leitor a imaginar esta “Utopolis”, pois suas informações a respeito de fundação, número de habitantes, formas de trabalho e a utilização de robôs, entre outras coisas, são bem completas. Claro que uma cidade organizada de tal fora dificilmente existiria (limite de habitantes, 1 hora de trabalho por dia, renda social igual para todos), mas é nesse aspecto que Utopolis brilha, pois estamos falando de uma utopia. E quem não gosta de conhecer novas versões do futuro da humanidade? A visão do autor é interessante e faz refletir.
As três histórias são boas, cada uma à seu modo. Na primeira, Dante investiga um senhor que coloca anúncios no jornal solicitando companheira de quarto; mas elas acabam desaparecendo misteriosamente, sempre. No segundo, Dante tenta ajudar um dono de teatro que teme ter sua apresentação noturna arruinada por dois caras, que prometeram detonar tudo. E no último, o robô observa os passos de um assassino. Você percebe uma evolução na narrativa, que inicia com algumas cenas forçadas (como o velho já ir entregando o jogo), e passa por momentos melhor construídos, como no final da segunda história.
A arte é bastante caprichada e se destaca, além de também sofrer modificações no decorrer da trama, mas mantendo o mesmo estilo. As páginas são pretas e acentuam o tom melancólico da cidade. Os traços são bem definidos e divide espaço com desenhos mais “esfumados”. O resultado é algo bastante “desenhado”, como se feito com lápis comum, dando um tom mais de “fanzine”, porém de modo profissional. Na última história o autor arrisca algumas montagens com fotografias e deixa a arte mais dinâmica. O destaque fica para as cenas em que personagens são vistos de cima ou de baixo, numa ótima perspectiva pouco vista em HQs do gênero.
O autor também trabalha muito na movimentação das cenas, mesmo nas de ação, para não quebrar o ritmo de tristeza e solidão passado. Algumas, como a do metrô e da mão na janela, se destacam. Os balões, porém, poderiam ser melhor editados, pois é possível ver o balão da arte original por debaixo do balão criado. Algo simples, mas que se repete em muitas páginas. Há, também, alguns erros de gramática e de digitação que passaram despercebidos numa revisão.
Utopolis é uma HQ bastante polida, tanto em roteiro quanto em arte, mas que poderia ter se aprofundado melhor, pois além de curta sua leitura é bastante rápida. O autor escreve bem e poderia incluir mais textos sobre Tecnoturna, criando uma cidade mais detalhada. O protagonista, o autômato Dante Alighieri, é pouco explorado no que refere à personalidade, origem e motivação de seus atos. A cidade acaba se tornando a verdadeira protagonista da história.
O acabamento da edição é competente, com folhas foscas e de gramatura razoavelmente alta, com editorial ao fim, introdução do autor de L. F. Veríssimo no início. Infelizmente, não encontrei outros títulos dele (se é que ele criou mais HQs) nem outras informações. Só sei que ele, Ronaldo Selistre, é membro da banda de rock Damn Laser Vampires, trabalhando no vocal e guitarra. Um bom som, diga-se de passagem!
Obrigado, Fil; grata surpresa encontrar essa tua resenha bacana. É uma HQ antiga e obscura, não esperava que ainda fosse ler sobre ela.
Só me permita aproveitar pra corrigir uma informação – Utopolis não foi inspirada em nenhum conto do L.F. Verissimo, ele apenas escreveu a introdução do álbum.
Parabéns pelo blog. Obrigado mais uma vez, um abraço!
Ron
Olá Ronaldo, estava organizando minha antiga coleção de HQs e achei está. Excelente! A tenho desde 2000. Há outras publicações ou ela é filha única?
Opa Ronaldo, obrigado pela visita!! Informações atualizadas! Gostei muito de Utopolis, teremos mais HQs do gênero?
Sim, há planos de retomar a série mais adiante. Dou notícias 🙂