Fil Felix é autor, ilustrador e psicanalista. A Central dos Sonhos é seu universo particular, por onde aborda questões como memórias, desejos e infância. Fã de HQs, escreve seus comentários sobre quadrinhos desde 2011, totalizando mais de 600 reviews. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou os livros infantis Zumi Barreshti (2021, Palco das Letras) e Meu Avô Que Me Ensinou (Ases da Literatura), entre outras publicações.
[Review] Panorama do Inferno !
Nome Original: Jigokuhen (Panorama of Hell)
Editora/Ano:Conrad, 2006 (Seirindo, 1983)
Preço/ Páginas: R$13,90/ Cerca de 200 páginas
Gênero:Terror
Roteiro/ Arte: Hideshi Hino
Sinopse: Venha com Hideshi Hino conhecer o Inferno que nem mesmo Dante poderia descrever. Uma paisagem pós-nuclear, que se confunde com a nossa própria realidade – desenhada por um pintor insano com o seu próprio sangue. Esse pintor, de quem nunca saberemos o nome, nos apresenta a um mundo corrompido, onde a vida humana não vale nada e o Estado promove sessões de decapitação públicas, enquanto fogos de artifício ardem no céu.
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Panorama do Inferno é uma criação de um dos precursores do gênero terror nos mangás e quadrinhos em geral, Hideshi Hino. O título era para ser sua última obra, encerrando com chave de ouro sua carreira. Mas não foi isso que aconteceu: Hideshi continuou desenhando e este Panorama é bom, mas não uma obra-prima.
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Tudo começa com a narração de um pintor-sem-nome alucinado que deseja criar um quadro panorâmico do inferno apocalíptico. Neste processo, ele nos apresenta outras de suas obras infernais, chamados de retratos do inferno, que é como o protagonista visualiza o mundo ao seu redor, um verdadeiro inferno, pincelado com seu próprio sangue. Cada quadro protagoniza um capítulo, somando 13 Retratos do Inferno. Entre uma história e outra, temos passagens reais da vida do autor misturadas à ficção, num ambiente hostil e destruído pós segunda guerra mundial.
O traço de Hideshi Hino é bem característico e pode ser reconhecido de longe por quem o conhece. Temos os típicos personagens “redondos” de olhos grandes que, muitas vezes, se assemelham aos cartoons. Todas as cenas de massacres e mutilações são convincentes e bem feitas, com ótimas páginas duplas. O sangue é praticamente um personagem coadjuvante da história, por aparecer a cada virada de página, ganhando um ótimo acabamento, mesmo se tratando de um mangá em preto e branco.
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Mesmo com bons desenhos, o início e meio de Panorama do Inferno não empolga, misturando o bizarro com o cômico. Digo cômico porque capítulos como o 6º Retrato do Inferno: Hospedaria do Inferno, onde a esposa do pintor serve partes de cadáveres como prato do dia para esses mesmos cadáveres que, pasmem, estão todos decapitados, impedidos de comer (já que não tem cabeça), mas que conseguem falar normalmente. Esse capítulo, em específico, beira o ridículo, no bom sentindo, mas quebra totalmente a narrativa de “terror”. Isso e outros pontos igualmente bizarros deixam a história na mesmice, trocando o bizarro pelo grotesco. Claro que no meio de tanto sangue e vísceras há a critica à sociedade da época e a guerra e suas sequelas, mas não são suficientes para prender o leitor por completo, principalmente aqueles que chegam ao título ansiando por algo assustador.
Aos sobreviventes que chegam na reta final do mangá, vemos a narrativa fluir e o equilíbrio entre boa história e arte, sem deixar de lado o nonsense. É só nos capítulos finais que Panorama do Inferno surpreende o leitor, com críticas bem sacadas. O protagonista cresceu sobre a sombra da segunda guerra mundial, nascendo do “grande ser demoníaco”, como o autor refere-se à explosão da bomba lançada sobre Hiroshima. Temos, então, uma criança com diversas sequelas da radiação causada pela bomba nuclear. A guerra é algo muito presente no título, como também na vida do autor, que nasceu no ano seguinte ao bombardeio.
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Também é no final que temos a sanidade do pintor alcançando seu limite, porém, mais uma vez, a narrativa cai e termina o título de maneira duvidosa. Superficialmente, Panorama do Inferno é um mangá regular, que pode agradar o público mais gore, mas no geral não prende nem agrada o leitor comum. Destrinchando mais a história, observando as entre-linhas e contextualizando os acontecimentos, assim como criando um panorama da vida do pintor protagonista e do autor que, aí sim, podemos admirar melhor este mangá. Mas é informação demais para se preocupar em procurar.
Também é interessante comentar sobre a família do pintor, uma das mais problemáticas e sanguinolentas que já pude ver. Temos a mãe louca, os filhos cruéis, o pai violento, além do avô pertencente à yakuza. Tais personagens protagonizam os melhores momentos do mangá, como as crianças comemorando os fogos de artifício, que são lançados à cada cabeça decapitada; o avô que engolia dados; e a mãe que conversa com cabeças de porco. Sim, tudo muito estranho.
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Como dito, a história se divide em 13 capítulos, denominados de “Retratos do Inferno”, todos devidamente listados num índice, indicando a página onde se inicia. Mas, ironicamente, as páginas do mangá não são enumeradas, tornando o índice apenas uma referência para os títulos, para não dizer desnecessário.
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A Conrad também colocou, como extra, uma matéria sobre a carreira de Hideshi Hino e uma comentando sobre a presente obra. Mesmo curtas, são boas. Panorama do Inferno não se trata da masterpiece de Hideshi Hino, criador de títulos como “Oninbo e Os Vermes do Inferno” e “A Serpente Vermelha” (lançados pela Zarabatana), mas agrada o público que curte o terror gore, com muito sangue e vísceras.