Em março de 2021 houve um desafio bem legal lá no EntreContos: escrever um microconto de até 300 caracteres (incluindo espaços) para cada uma de 5 categorias diferentes, cada qual oferecendo até quatro estímulos para escolher.
Foi um desafio e tanto! Participei com o pseudônimo “Kalunga” e escrevi 5 microcontos a partir da figura do “papel“. E tive a grata surpresa de ficar em 6º lugar! Então decidi criar um desenho para cada um dos 5, algo simples, usando as cores primárias, além do preto e do branco.
Os desenhos (com os microcontos neles) foram postados originalmente no meu Instagram (@Central.dos.Sonhos), com alguns comentários sobre o processo. Aproveitem para acessar e seguir o perfil! Os microcontos em seu formato original estão disponíveis na página do EntreContos, com os comentários dos demais participantes do desafio.
O EntreContos é um site que propõe e elabora desafios literários e que venho participando há mais de 5 anos. Foi e continua sendo minha escola na escrita. Os desafios são puxados, mas recomendo a todos a leitura e participação!
Abaixo estão os desenhos e a transcrição dos microcontos. É possível ler o regulamento do desafio aqui.
*
Despedida
O clichê estava lá: entre a praça, os pombos e a solidão. As mãos suando, molhando o pequeno pedaço de papel que segurava, borrando as declarações que havia escrito.
Não tinha mais importância, mesmo. Nada mais tinha.
O som do tiro veio como a rejeição, seco. Espantando as aves ao redor.
*
Singular
Sempre enxerguei o mundo numa bolha de sabão, embrulhado em celofane colorido e reluzente. Muito além do aparente. Diferente, como eu.
Mas frágil. Um toque e a bolha se desmancha no ar, vulnerável aos olhares que julgam por um pensamento, uma orientação.
Ou uma mudança de cromossomos, como eu.
*
Origami
Dobre o papel ao meio.
Filha, mãe, esposa, avó.
Cansada e pressionada sob as mãos sociais.
Embutir a ponta para dentro do vinco.
Sexo frágil, os dedos diziam.
Desdobrou-se em tantas, o corpo marcado não deixava mentir.
E mesmo assim.
Abra as asas.
Finalizou a dobradura, largou os papéis e voou.
*
Ligação
Um abismo, era o que havia entre meu pai e eu. Coberto como a noite, ocultando preconceitos e abandono. Nossa conexão não passava de uma tira áspera de papel crepom. E cada lágrima que derramava sobre essa ponte manchava-me até a alma de um colorido intenso, que só ele não conseguia enxergar.
*
Reencontro
Faria um almoço com o que tinha em casa: uma cebola, alho, pegaria um molho e um pacote de macarrão da dispensa. Sem receita, simples. O mundo desmoronava ao seu redor e não podia esperar mais. Necessitava daquele perdão, aceitar os erros do passado.
E na primeira garfada, perdoou-se.
Fil Felix é ilustrador e escritor. Criador dos conceitos e personagens do universo da Central dos Sonhos. Fã de HQs, gosta de escrever reviews desde 2011, totalizando mais de 600 delas em 2023. Já escreveu sobre arte para diversos blogs como Os Imaginários e a Coluna Asas da editora Caligo. Ilustrou seu primeiro livro infantil em 2021: Zumi Barreshti, da editora Palco das Letras.