“PINTANDO UM AO OUTRO”: A IMPORTÂNCIA DE UMA COMUNIDADE ARTÍSTICA – Fil Felix

Existem alguns ditados populares ou máximas que podem ser aplicados a praticamente qualquer campo ou departamento da vida. Frases do tipo “quem tem amigo, não morre pagão” ou quem tem contato, tem tudo” exemplificam todo o conteúdo do artigo de hoje: a importância da amizade, dos contatos e da formação e manutenção de uma comunidade artística. E pensei em abordar esse tema após ver a pintura impressionista Pintando um ao Outro, feita pelos espanhóis Santiago Rusinol e Ramon Casas em 1890.

Claude Monet por Renoir (1875)

O desenho de observação era uma das características básicas do movimento impressionista, visando a captar melhor a luz e o movimento naturais, a fim de transpor ambos para a tela. Cada período do dia, por exemplo, nos apresenta uma paleta de cores diferente, então não é raro encontrar séries de pinturas que se passam de manhã, à tarde ou à noite. Mas, para além das paisagens, retratos ou cenários urbanos, houve uma tendência entre os artistas do período impressionista de pintarem-se uns aos outros. Paul Gauguin fez um retrato de Van Gogh, assim como Pierre-Auguste Renoir fez um retrato de Claude Monet, para citar alguns.

Van Gogh por Paul Gauguin (1888)

Ao contrário das obras aludidas, o curioso em Pintando um ao Outro é que não se trata de uma pintura feita por um para retratar o outro, e sim feita pelos dois! No primeiro plano está Santiago Rusinol, enquanto que ao fundo está Ramon Casas, ambos pintando uma tela sobre uma cadeira improvisada. Além da mescla de estilos, é interessante pensar como ela foi produzida, quase como numa metalinguagem. A cena ocorre nas sombras, já que percebemos ao fundo um feixe de luz, como se estivessem atrás de uma casa.

Quando conheci essa pintura (e seu contexto), logo me veio à mente sobre o quão necessário é essa interatividade entre nós artistas, seja das artes visuais ou escritas. E isso também coincidiu (apesar de não acreditar em coincidências), na mesma semana que conheci a Candela Cultura Brasileira, uma iniciativa recém-inaugurada que propõe apoiar e profissionalizar artistas a partir de conteúdos pontuais, citando também uma frase da Clarice Lispector: “quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe.”

Pintando um ao Outro por Santiago Rusinol e Ramon Casa (1890)

Quando penso nos movimentos de arte moderna como um macrocosmo, em como muitos artistas se apoiavam (seja por amizade ou competitividade) e formavam grandes núcleos de pensamento coletivo, havia ali o mesmo sentimento de comunidade, até mesmo nas discussões e desentendimentos. Olhando para o meu microcosmo, minha bolha cultural, grupos como o Entre Contos, Janela de Poesia, As Contistas ou o Coletivo Confrontos surgem também por esse caminho, interconectados e propondo uma disseminação cultural. Acredito que Os Imaginários também seja fruto desse movimento. E digo isso como forma de agradecimento, pois foi no Entre Contos que me senti escritor, assim como foi no Coletivo Confrontos que me vi ilustrador. As trocas e oportunidades que resultaram de tudo isso são maravilhosas, uma coisa levando à outra e criando uma rede.

Acredito que em nenhuma parte do mundo seja fácil ser artista, porque na maioria das vezes vai na contramão do pensamento produtivo e imediatista que toma conta da nossa realidade, mas no Brasil parece ser ainda pior, quase uma tarefa homérica, já que além da falta de incentivo (e não falo somente de verba), parece haver um movimento de descrença e desvalorização da arte em geral. O que reflete no próprio artista independente (eu incluso!) que sente dificuldade de empreender sua arte ou de viabilizá-la. É preciso muito para ser reconhecido de fato como artista (e não como alguém que faz da arte um hobby), e mais ainda para fazer da arte a única profissão (e não depender de outra).

Outro ponto interessante a ressaltar dentro desse aspecto é que quase todo artista é, de alguma forma, um ser solitário, pois, salvo algumas exceções, como a pintura divertida de Pintando um ao Outro, o fazer artístico é um processo individual e pessoal. Um conto, um desenho, uma pintura, um poema, uma escultura ou um bichinho de pano quase sempre nascem de um processo solitário. Então, vejo nessas iniciativas um meio de ultrapassar essa barreira, de conectar artistas, viabilizar projetos, e o mais importante: levar seu trabalho para outros públicos.

Em tempos de redes sociais, isso é mais importante que nunca. Aquela imagem clássica do escritor recluso é algo que vem caindo por terra. Precisamos cada vez mais de uns aos outros nessa pintura impressionista da vida real, principalmente através de experiências verdadeiras, não pelo toma lá da cá de sempre. É preciso deixar de lado o ego, talvez outra barreira difícil de ser quebrada e que merece um texto exclusivo, e criar oportunidades e parcerias, pois uma vez que o ego adentra esses espaços as discussões são outras.

Então, gostaria de fechar este artigo com uma mensagem simples, mas otimista (já que os últimos foram meio melancólicos, né?): ser artista pode não ser fácil, mas você não está sozinho! Procure pelos seus pares, faça amizades, monte coletivos ou desafios temáticos, acompanhe e valorize o trabalho das pessoas próximas a você, mas também dê uma opinião sincera quando pedirem, fique de olho nas oportunidades e esteja aberto ao novo e às mudanças, aos poucos criando sua própria rede de interatividade, pois é essa comunidade que o ajudará a levantar quando tomar as bordoadas da sociedade.

Abra caminho para a sua arte girar!

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