WALTER SICKERT: DE PINTOR DO TÉDIO A SUSPEITO DE SER JACK, O ESTRIPADOR – Fil Felix

Recentemente deparei-me com uma pintura muito emblemática do pintor britânico Walter Sickert (1860 – 1942) denominada Ennui, pintada por volta de 1914 e considerada pós-impressionista. Trata-se de um retrato da vida doméstica, sua monotonia e indiferença, algo bastante característico em muitos quadros de Sickert, que trazem uma sensação desoladora. E a princípio pensei em escrever exatamente sobre esses sentimentos, ainda mais em meio à quarentena e pandemia da Covid-19. Mas, pesquisando melhor, descobri uma teoria da conspiração muito interessante de que Walter Sickert seria o serial killer Jack, o Estripador do século XIX. O que mudou totalmente minha percepção sobre sua arte e sobre o que eu gostaria de escrever aqui!

Minha identificação com a pintura Ennui foi imediata. O tédio é algo que cresceu muito neste último ano, tanto pelos motivos óbvios, como o fechamento de estabelecimentos e o isolamento social, que limita o acesso às atividades à qual estávamos acostumados a fazer, como também por um tédio oriundo do acúmulo de funções ou de stress. Com a pressão das redes sociais, ainda temos uma sensação de estar on-line, ativos e produtivos o tempo todo, usando a máxima dessa pandemia: aproveitar esse período para fazer um curso ou algo do tipo. Mas, na prática, as coisas não funcionam tão bem assim.

Ennui, 1914

Ennui retrata um casal sufocado pelas paredes e móveis de um cômodo. Ele olhando para um lado e ela para o outro. Não há uma conexão entre os dois e um certo cansaço paira sobre toda a pintura. Uma sensação de que não há nada para fazer, mesmo quanto há! A imagem de duas pessoas que, apesar de próximas, estão distantes. Um casal que já não se entende mais, talvez? Um tédio. Tanto que ennui é uma palavra francesa para o tédio. Com influência impressionista, muitas de suas pinturas possuem certa deformidade e ausência de nitidez, trabalhando ora com contrastes, ora com figuras que quase se mesclam com o ambiente.

Sickert possui também uma série de pinturas em que retrata mulheres nuas deitadas, algumas mais e outras menos explícitas, mas trazendo essa mesma sensação no ar: de desolação, de cansaço, de um tédio sem fim. E ao contrário de muitos retratos com essa temática, Sickert gostava de colocar essas mulheres num meio comum e na simplicidade do dia a dia, sem nada de divino, especial ou erótico. Um dado interessante é que muitas delas foram pintadas a partir de modelos vivos que posaram para ele em Paris, apesar da fama de Sickert pintar a partir de fotografias. Fama, inclusive, que gerou certa polêmica na época, por dizerem copiava o trabalho de outros artistas.

Hollandaise, 1906

E é importante salientar que, ao contrário de muitos artistas de sua época, Sickert conseguiu reconhecimento ainda em vida e hoje é considerado um dos impressionistas britânicos mais importantes. Possuía uma vida ativa e de opiniões como, por exemplo, não gostar de ser associado às pinturas do Van Gogh, que seguiam uma pincelada forte e pesada. Num artigo escrito por volta de 1911, Sickert admitiu não ser fã do próprio Van Gogh, apesar de reconhecer suas qualidades. Era um homem excêntrico e famoso nas rodas sociais, com gostos peculiares e que não fazia questão de pertencer a nenhum grupo de artistas.

Reclining Nude, 1906

Agora falemos de Jack, o Estripador: o pai dos seriais killers! No final do século XIX, mais precisamente por volta de 1888, uma série de crimes aconteceram em Londres, com pelo menos 5 mulheres mutiladas. Os crimes não foram solucionados e uma histeria coletiva surgiu, ainda mais com novos assassinatos acontecendo meses depois (mas que poderiam não estar relacionados). Isso ajudou a criar a figura quase lendária do Jack, o Estripador, que continua um mistério até hoje, com várias teorias, tantos suspeitos e conteúdo fictício criado em cima, que não sabemos mais onde começam e onde terminam os fatos.

Walter Sickert teve um grande interesse pelo serial killer no início dos anos 1900, inclusive dizendo que havia alugado um quarto onde o próprio Jack havia morado. Em 1907 Sickert pintou um quadro que chamou de O Quarto de Jack, o Estripador” (Jack the Ripper’s Bedroom, no original), trazendo uma atmosfera densa e obscura. Devido à personalidade do pintor, não é difícil de imaginá-lo como um contador de histórias. E apesar de ninguém relacioná-lo ao crime na época, certamente ocorreu algum burburinho.

Até porque, anos mais tarde, o autor Stephen Knight publica em 1976 o livro Jack the Ripper: The Final Solution, em que diz que os assassinatos faziam parte de uma intrincada conspiração envolvendo a família real e a maçonaria, onde Walter Sickert entrava como cúmplice. Doideira, né? E por mais que a informação tenha sido desmentida pelas autoridades e pelo próprio informante de Knight, foi o suficiente para vermos o nascimento de diversas teorias da conspiração envolvendo Sickert.

Jack the Ripper’s Bedroom, 1907

O livro chegou a ser adaptado para os quadrinhos pelas mãos do Alan Moore durante a década de 1990 (em Do Inferno), reforçando a ideia popular de que Sickert estava, de alguma forma, ligado ao Jack, o Estripador. Mas a situação teve seu auge quando chegou às mãos de Patricia Cornwell, escritora norte-americana e best-seller de romance policial. Em 2002 ela publica Retrato de um assassino: Jack, o Estripador – caso encerrado, em que desenvolve uma teoria segundo a qual Walter Sickert não seria cúmplice: ele seria o próprio Jack!

E no melhor estilo “O Código Da Vinci”, Cornwell afirmava ter indícios que provavam sua teoria, como cruzar o DNA obtido de cartas relacionadas ao Estripador com outras escritas pelo pintor. As pinturas de Sickert, além de ajudarem a formar o modus operandi do assassino, também foram material para que ela criasse seu perfil psicológico. Claro que todos esses indícios foram largamente desmentidos pelas autoridades nos últimos anos. Mas como a autoria dos crimes continua uma incógnita, as teorias continuam!

E em tempos de quarentena, em que nos sentimos tão próximos do trabalho de Walter Sickert, dominados por um tédio que parece não ter fim, seja pela falta, seja pelo excesso do que fazer e cercados de teorias da conspiração, o velho ditado popular volta à tona: mente vazia, oficina do diabo!

Bibliografia:

https://www.tate.org.uk/art/research-publications/camden-town-group/walter-richard-sickert-r1105345

https://www.metmuseum.org/art/collection/search#!?q=Walter%20Richard%20Sickert&perPage=20&sortBy=Relevance&offset=0&pageSize=0

https://fortnightlyreview.co.uk/2017/10/fry-sickert-post-impressionism/

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