DO RASCUNHO AO DESENHO FINAL: LIDANDO COM EXPECTATIVAS E FRUSTRAÇÕES – Fil Felix

Para esse meu primeiro texto de 2021, resolvi mudar um pouco e, no lugar de um artigo mais informativo ou sobre a história da arte que geralmente escrevo, escrevi um texto mais pessoal, contando certas experiências que tive envolvendo as ilustrações digitais nesses últimos meses. Em especial, as expectativas e frustrações durante o processo que envolve o desenhar, desde o rascunho até o resultado final, seja quando fiz para mim mesmo ou quando fiz sob encomenda.

Durante muito tempo trabalhei com a técnica da colagem, criando composições manualmente (cortando e colando) e dando um acabamento digital, tudo de maneira muito livre e intuitiva. Eu folheava as revistas, geralmente Vogue e National Geographic que comprava em sebo, e conforme eu observava as imagens uma figura se formava em minha mente. Eu não costumava criar um esboço, nem nada do tipo. As figuras híbridas vinham naturalmente.

Desde 2019, quando adentrei o universo do desenho digital, precisei aprender a me adaptar a um novo formato de desenvolvimento de uma ideia. A maneira mais orgânica que eu tinha com as colagens já não existia mais e tudo tinha que ser melhor planejado, principalmente porque quis trabalhar o figurativo. Então o esboço inicial, geralmente alguns rabiscos, precisavam de uma primeira camada de contornos, depois uma camada de cores, outra de luz e sombra, mais uma para as texturas e assim por diante. A essência dos desenhos digitais é poder trabalhar por camadas, o que facilita (e muito) a criação e edição. Demorei alguns meses até entender como trabalhar uma paleta de cores, como usar certas ferramentas do aplicativo para o tablet, de se adaptar a uma caneta capacitiva, edição de imagem como balanço de cores, entre outros detalhes que não faziam parte do meu mundo.

E com isso, claro, vem todo um universo de expectativa x realidade. E o primeiro choque foi lidar com a ansiedade: para quem estava acostumado a começar e terminar um trabalho num mesmo dia, entender que nem sempre isso é possível (ainda mais no período de aprendizagem em que me encontro) foi um desafio. Claro que isso também é um reflexo do nosso tempo, onde tudo é muito rápido, instantâneo e passageiro. Terminamos um projeto e já queremos que ele esteja disponível nas redes o quanto antes, queremos divulgar e mostrar nossa produção, para depois perceber que em pouco tempo ele será logo esquecido. E assim precisaremos criar outro projeto, outro texto ou outro desenho tão interessante quanto e colocar o mais rápido possível nas redes, para nos manter (e também demonstrar) o quanto estamos ativos e produtivos. Praticamente um ciclo vicioso, já que somos bombardeados diariamente por inúmeras imagens, textos e produções as mais variadas, sendo impossível absorver tudo. E, assim como deixamos passar muita coisa despercebida, nosso trabalho também acaba tendo esse mesmo fim para tantas outras pessoas.

Então essa “necessidade de estar sempre on-line”, termo que vem ganhando força no Instagram para debater o assunto, acaba afetando nossa tranquilidade e dificultando a relação com trabalhos que demandam tempo e amadurecimento. Meus primeiros desenhos usando o tablet foram rápidos, eu queria colocá-los no mundo o quanto antes. Aos poucos venho aprendendo a lidar melhor com isso, tanto com o criar e não mostrar ao público, quanto levar dias para terminar um único desenho. E o melhor: entender que está tudo bem.

Passado o choque de ansiedade, outra questão bastante presente foi lidar com o resultado final, que nem sempre é o esperado! Acredito que isso ocorra com muita gente, independente do formato, seja um desenho ou um conto. Que é criar um esboço, imaginá-lo pronto e, durante o processo, perceber que não está ficando como deveria. Costumava dizer que esses primeiros traços e cores do desenho eram a pior parte, pois já não tinham uma cara de esboço, mas ainda longe de estarem bons. E aí entra a parte de dar mais detalhes, forma e acabamento ao trabalho, que às vezes pode levar um bom tempo. Como falei sobre esse momento instantâneo em que vivemos, deixar um trabalho descansando de um dia pro outro é, ao mesmo tempo, o melhor que podemos fazer e, ainda assim, algo extremamente difícil. Deixar o desenho de lado e depois voltar nele, já com um outro olhar, menos viciado e mais leve, conseguimos enxergar o que pode ser melhorado. Quantas vezes não postei algum trabalho na ansiedade de vê-lo on-line, para, cinco minutos depois, perceber que faltou algo óbvio. Muitos dizem que isso irá acontecer independente do tempo que você passou trabalhando, pois queremos sempre melhorar, mas é inegável que quanto mais rápido você finalizar, mais coisas ficarão para trás.

E além da minha própria expectativa, eu precisei lidar também com a expectativa do outro. Ano passado peguei minhas primeiras encomendas, seja para um logo ou para uma ilustração. Além de aprender na prática sobre como lidar com valores e prazos, também temos a expectativa de quem te contratou. Apresentar um trabalho e perceber que o outro não gostou ou que precisa de muitas modificações, porque ainda está longe do esperado, foi um dos meus maiores baques desde que comecei a trabalhar com ilustração. E não há maneira melhor de lidar com nosso ego do que essa.

Apesar dessa frustração em lidar com o resultado final que não é como o planejado ou com a expectativa de quem nos encomendou um desenho, acredito que tudo seja uma escola e que nos impulsiona para o melhor. Já que acertar sempre de primeira nunca irá te permitir ir além de conhecer e explorar seus limites. E essa foi uma das grandes lições que aprendi em 2020, principalmente em lidar com expectativa x realidade, entender que temos nosso próprio tempo e que podemos nos encaixar na agenda instantânea das redes sociais, que infelizmente é necessária para nossa divulgação, da nossa maneira. Para colhermos o resultado depois, seja um cliente satisfeito e feliz com sua encomenda, seja nossa própria satisfação de poder finalizar um trabalho, sensações que não tem preço!

Uma das coisas que mais quero nesse 2021, tanto pra mim quanto para todos que lidam com processos criativos e sofrem com ansiedade, expectativa e frustração, é poder ter uma relação mais íntima com seu próprio trabalho e menos efêmera. Que possamos aproveitar cada instante do nosso tempo, desligando o modo “multitarefa” e sendo menos reféns das redes sociais, curtindo uma coisa de cada vez, dia após dia. Sem pressa e nem pressão de nos mostrarmos on-line.

Um comentário em “DO RASCUNHO AO DESENHO FINAL: LIDANDO COM EXPECTATIVAS E FRUSTRAÇÕES – Fil Felix

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  1. Perfeito. Eu uso pastel seco, aquarela, nanquim e tinta a óleo. Processos de construção diferentes. No nanquim, lido com a necessidade de precisão. É demorado. A tinta a óleo necessita de um tempo longo para secagem. Leva dias, por isso, um trabalho a óleo não termina senão depois de mais de mês. Aquarela é outro processo demorado. Pastel seco é mais rápido, mas exige cuidado na mistura dos tons para a luz. Paciência é algo que se desenvolve no processo. A ansiedade de quando comecei é bem menor do que hoje, depois de mais de quarenta anos de desenho e pintura. Somente nos últimos 5 anos lido com as questões de atingir o desejo do outro – pelas ilustrações solicitaras para algum projeto. Erros e acertos são pontos de reflexão e recomeços. Acontece também na escrita. E o que vale mesmo é estar sempre disposto a retomar, refazer.
    Um ótimo relato, o seu.
    Sucesso!

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