ALÉM DA EUROPA: CONHEÇA M. F. HUSAIN, MESTRE DA ARTE MODERNA INDIANA – Fil Felix

Não é novidade que o conteúdo que estudamos, seja no ensino fundamental, médio ou na faculdade, está muito focado em eventos ocorridos na Europa ou EUA, até mesmo por pensadores, artistas e estudiosos desses lugares. Sem contar o espírito de vira-lata que adquirimos e da falta de memória que temos com nossa própria cultura, com preconceitos nítidos em relação às produções nacionais. Quando se trata de observar outros continentes, como a África, que tem uma influência enorme em nosso país, só conhecemos seu lado relacionado à escravidão.

Voltando às artes visuais, esse recorte que fazemos ao estudar a história da arte é muito mais nítido. Quando falamos de arte no Brasil, principalmente nas escolas, parece que só existe o movimento moderno e suas figurinhas carimbadas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Lasar Segall e Di Cavalcanti. Quando muito, vamos ao Barroco, que teve forte presença no país. Nosso país é “jovem”, podemos dizer, mas quando se trata de arte rupestre, arte indígena (que é superampla), ou até mesmo arte contemporânea, não costumamos estudar.

E quando o assunto é história da arte em geral, conhecemos todos os movimentos artísticos do ponto de vista europeu: da Arte Bizantina à Arte Moderna, passando pelo Renascimento e Barroco, conhecemos artistas como Da Vinci, Caravaggio, Van Gogh e Monet. Todos europeus. Quando retrocedemos um pouco na história, conhecemos as artes romana, grega e europeias. Quando muito, vemos um pouco do Construtivismo ou da arte-propaganda russa. Resumindo: nossa visão artística, além de estritamente ocidental, é enraizadamente europeia.

Isso acaba nos privando de toda a cultura oriental. Desde a arte chinesa, considerada uma das mais antigas, e suas porcelanas e tecelagens, até uma visão para além dos hieróglifos e pirâmides do Egito. Desconhecemos artistas japoneses, árabes, marroquinos ou coreanos. Mesmo com todos esses movimentos modernos do século XX terem chegado, de alguma maneira, a essas regiões. E confesso que também faço parte desse grande grupo que ignora ou desconhece muito do que ocorre ou ocorreu do outro lado do mundo. Mas venho tentando quebrar essa barreira!

1964 – Figura Azul com Tigre de M. F. Husain

A Índia, uma dessas áreas esquecidas, possui a segunda maior população do mundo, uma cultura milenar e riquíssima em detalhes e mitologias, uma das maiores (se não a maior) epopeia escrita (o Mahabharata), é o berço do Yoga, além de sua diversidade de cores, temperos e texturas.

No desafio de maio do Coletivo Confrontos, sobre história da arte, resolvi pesquisar mais sobre a Índia (que vem sendo meu foco em vários estudos) e me surpreendi quando soube que o movimento moderno também passou por lá, como o Cubismo! Surpreendi-me ainda mais quando soube que um artista, especificamente, conseguiu cruzar as barreiras geográficas, ganhando notoriedade em vários países, sendo considerado até mesmo o “Picasso indiano“: Maqbool Fida Husain. E, claro, utilizei-o como inspiração para participar do desafio e, agora, para ilustrar este artigo!

1980s – Guerreiro Arjuna por M. F. Husain

Acho interessante, primeiro, comentar sobre o movimento de Arte Moderna que tomou conta do mundo no final do século XIX e toda a primeira metade do século XX.

Com o advento da fotografia e do cinema, que replicavam com certa perfeição o dia a dia e registrava momentos históricos, o papel dos artistas (em especial os pintores) começou a ganhar outro tom. Já não se precisava de um pintor, por exemplo, pra criar um retrato ou pintar um momento importante. Isso, unido aos novos estudos sobre a mente humana, à Revolução Industrial e à presença cada vez maior das máquinas, fez surgir um novo estilo de pintar e de fazer arte: a Arte Moderna. O belo e figurativo, assim como o Realismo, já não eram mais prioridade. Era o momento de inovar, de ir além. Expressar através da arte o que a fotografia e o cinema, por exemplo, não conseguiam criar. Surgem movimentos como o Cubismo (quebra da forma), o Fauvismo (quebra da cor) e Impressionismo (quebra da linha), entre inúmeros outros.

1989 – Trindade da Madre Teresa por M. F. Husain

Apesar de conhecermos muitos artistas europeus desse período, ou como chegou ao Brasil, ele também deu as caras em outras regiões do mundo.

M. F. Husain, como é conhecido, nasceu em 1915 na Índia e passou sua juventude em meio aos conflitos de um país colonizado e ainda sob as amarras britânicas. Estudou arte e trabalhou com pôsteres de cinema em Mumbai, quando começou a se interessar por uma tendência mais avant-garde em sua carreira. O momento de ruptura se deu após a Partição da Índia em 1947, quando a região ganhou a independência do Reino Unido e se dividiu em dois países: Índia e Paquistão.

Husain ajudou a criar o Bombay Progressive Artists’ Group, um grupo de artistas que visavam a deixar o nacionalismo tradicional de lado e apontar para uma direção mais moderna, inspirando-se no que ocorria em outros lugares do mundo, como o Pós-Impressionismo, o Cubismo e o Expressionismo.

Maqbool Fida Husain foi muito feliz em sua jornada. Além de se consolidar como um dos mais importantes artistas indianos, ganhando uma exposição solo em 1952 em Zurique, na Suíça, uma exibição nos EUA em 1964 e até mesmo uma exposição especial aqui no Brasil em 1971, na Bienal de São Paulo.

Não demorou muito para Husain ser comparado à Pablo Picasso, principalmente por ele explorar o Cubismo e até mesmo temas bastante usuais na arte de Picasso, como os cavalos, sendo apelidado de “Picasso Indiano”. Apesar de criado numa família muçulmana, Husain explorou muitas características da religião hindu, o que trouxe certa polêmica (e até problemas) para sua vida.

Bharatmat (A Mãe Índia) por M. F. Husain

Isso se deve principalmente ao fato de Husain retratar figuras hindus de maneiras bem distintas. Algumas de suas obras retratam deusas e deuses nus, o que gerou várias críticas em 2006, principalmente após uma obra que retratava o mapa da Índia como uma mulher nua e de joelhos, que mais tarde seria conhecida por “Bharatmat” ou a “Mãe índia”. Isso fez com o que o artista se autoexilasse em outros países e recebesse diversas críticas sociais e até mesmo judiciais.

Além da cultura e religião hindu da Índia, Husain também retratou temas cristãos como a Madre Teresa de Calcutá, figuras e temas centrais do Ocidente.

Sendo o artista indiano com maior carreira internacional, Maqbool Fida Husain faleceu em 2011 aos 95 anos. E entre críticas em torno dele não dar às figuras islâmicas a mesma atenção dada às hindus, ou da maneira como retratou a mitologia hindu, em seus últimos dias de vida recebeu a proposta de retratar em 32 obras de grande escala a história da Índia, mas infelizmente só conseguiu finalizar 8. Morreu como um pintor bastante ativo e “perdoado” por suas controvérsias.

Finalizando, escolhi uma série de pinturas criadas por Husain em 2004 sobre Ganesha como inspiração para meu trabalho pro Coletivo Confrontos (na imagem acima, o Ganesha de M. F. Husain à esquerda e meu Ganesha para o Coletivo Confrontos à direita).

A iconografia das divindades hindus é bastante conservadora, principalmente em sua simbologia. Ganesha, o “destruidor de obstáculos”, é um deus associado à inteligência, sabedoria e fortuna, geralmente colocado nas portas de casas e templos como símbolo de proteção. Com corpo humano e cabeça de elefante, a figura de Ganesha é tradicionalmente representada com quatro braços, cada mão segurando um item, sentado sobre uma flor de lótus, uma das presas quebradas, ao lado de um rato e uma serpente, entre outros detalhes, cada qual simbolizando um atributo seu, como a ponta da presa que tirou para escrever os Vedas, por exemplo.

Os Ganeshas de Husain possuem dois braços (geralmente um tabu), em vez dos tradicionais quatro, e também possuem bem menos adereços, tocando sitar. Na minha versão o fiz sobre a lótus, reforçando seu aspecto de superação das dualidades.

Um comentário em “ALÉM DA EUROPA: CONHEÇA M. F. HUSAIN, MESTRE DA ARTE MODERNA INDIANA – Fil Felix

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  1. Oi Fil,
    Tudo bem?
    Estou atrasada, mas, lendo de trás para frente.
    Mais uma vez, obrigada por esta ótima aula, e por nos apresentar um pouco do oriente.
    Você está a cada dia melhor!
    Beijos
    Paula Giannini

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